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Câmara de Lisboa «sem registo de prejuízos» de pessoas afectadas pelo sorteio anulado de casas... !

Carlos Moedas e o Concurso nº 29 do PRA anulado: Fotomontagem DI

Câmara de Lisboa «sem registo de prejuízos» de pessoas afectadas pelo sorteio anulado de casas... !

10 de julho de 2025

A Câmara de Lisboa disse hoje que já contactou todos os 133 agregados familiares afectados pela anulação do sorteio de habitações municipais, tendo recebido, até ao momento, resposta de 19, em que "nenhum" apresentou documentação comprovativa de prejuízos.

Em resposta à agência Lusa, a Câmara de Lisboa, presidida por Carlos Moedas (PSD), reforçou que a anulação do sorteio realizado no dia 16 de junho, um dia antes da data prevista, "é inevitável", decorrendo da exigência regulamentar de realização do sorteio em acto público, conforme o Regulamento Municipal e o Código do Procedimento Administrativo.

Em causa está o sorteio do 29.º concurso do Programa Renda Acessível (PRA), com 133 habitações, que foi realizado prematuramente no dia 16 de Junho, após "uma falha técnica" devido a "erro humano", e que foi anulado "em menos de 24 horas", uma vez que não cumpriu a exigência de ser um acto público, de acordo com a directora municipal da Habitação. Um «não» acto público - diríamos - que teve repercussões e consequências para as 133 famílias lesadas.

Na sequência da anulação, que invalida o resultado apurado no dia 16 de Junho quanto à afectação de casas, o sorteio foi repetido no dia 27, abrangendo o mesmo universo de concorrentes, num total de 7.362 candidaturas.

Das 133 pessoas afectadas pela anulação do sorteio, há um grupo de 24 que vai avançar com providências cautelares para "denunciar a irregularidade do processo", revelou hoje uma das lesadas.

Em declarações à Lusa, Ana Gaspar, uma das pessoas afectadas pela anulação do sorteio do PRA, lamentou a ausência de respostas por parte da câmara e disse que existe "um sentimento generalizado de injustiça", o que motiva o recurso a ações judiciais.



O Presidente da CML, Eng.º Carlos Moedas



Contrapondo, a câmara esclareceu que, "tendo em vista analisar as queixas dos candidatos que se sentiram afectados pela anulação do sorteio", contactou os 133 agregados familiares que receberam indicação de afectação de habitação municipal e solicitou "comprovativos de danos decorrentes da anulação".

"Foi esclarecido, ainda, - segundo o Executivo presidido pelo Eng.º Carlos Moedas -  que a eventual atribuição de habitações não teria sido automática, dependendo da validação dos requisitos de acesso", referindo que, até ao momento, "responderam 19 agregados, nenhum dos quais apresentou documentação comprovativa de prejuízos".

De acordo com o município, está em preparação um relatório de análise das situações de pessoas afectadas pelo sorteio anulado, prevendo-se o atendimento dos agregados.

Em 25 de Junho, a directora municipal da Habitação, Marta Sotto Maior, defendeu que as 133 pessoas que receberam uma notificação de afectação de casas no âmbito do sorteio que foi anulado merecem um pedido de desculpa, "mas não mais do que isto".

"Isto é uma afectação, isto não é ainda uma atribuição de casas", sustentou, explicando que as pessoas têm de entregar documentos e os serviços têm de validar a informação e, em média, "45% das candidaturas caem por falsas declarações ou desistências".

Na sequência da anulação do sorteio, a vereadora da Habitação, Filipa Roseta (PSD), determinou a abertura de um inquérito interno, decisão tomada em 17 de Junho, um dia depois do sucedido, indicando que essa averiguação tem a duração de 30 dias.

Além disso, Filipa Roseta determinou, em 20 de Junho, o lançamento de um procedimento público para contratar uma entidade externa que certifique os sorteios de atribuição de casas.

Considerando que o problema registado resultou do carregar "inadvertidamente" no botão de sorteio enquanto se realizam testes na plataforma 'online' Habitar Lisboa, a vereadora da Habitação decidiu que os sorteios do PRA passam a ser iniciados com a intervenção simultânea de "duas pessoas a carregar no botão, em vez de uma".

A este propósito, a câmara aprovou, por unanimidade, a proposta do PS para "uma auditoria externa e independente" ao processo do 29.º concurso do PRA, o levantamento dos danos causados aos candidatos afectados pela anulação do sorteio, incluindo eventuais perdas de habitação, e o estudo de mecanismos de compensação ou apoio habitacional urgente.









Nota da Redacção do DI:

Relativamente às declarações da senhora directora municipal da Habitação, Marta Sotto Maior, importa atender a princípios de justiça, responsabilidade institucional, impacto emocional e ética administrativa.E sobre todos estes itens importa que se diga:

1. Minimizar o impacto com um pedido de desculpas é insuficiente e desumano

A frase “merecem um pedido de desculpa, mas não mais do que isto” desvaloriza o sofrimento causado a 133 famílias que, durante 24 horas, acreditaram finalmente ter acesso a uma habitação digna, muitas delas após anos de espera. A comunicação oficial de afectação de uma casa, mesmo que tecnicamente “não seja uma atribuição”, tem um peso emocional e simbólico enorme, pois cria uma expectativa legítima. O município não pode tratar estas pessoas como meros números administrativos: estamos a falar de vidas humanas em situação de vulnerabilidade.

2. A distinção entre “afectação” e “atribuição” é juridicamente relevante, mas eticamente irrelevante para quem espera uma casa

Embora Marta Sotto Maior sustente que se tratava apenas de uma “afectação” e não de uma “atribuição definitiva”, esse argumento pode ter valor técnico-administrativo, mas não anula a responsabilidade do município na gestão das expectativas das pessoas. O próprio envio da comunicação oficial confere um grau de compromisso da autarquia com os cidadãos. A falha foi do munípio liderado por Carlos Moedas, não das pessoas. Exigir compreensão de quem já vive precariamente é injusto.

3. Responsabilizar antecipadamente os candidatos por possíveis “falsas declarações” é uma generalização abusiva

Ao afirmar que “45% das candidaturas caem por falsas declarações ou desistências”, a senhora directora Marta Sotto Maior insinua que uma parte significativa dos 133 afectados talvez nunca chegasse à atribuição, desviando o foco da verdadeira falha – o erro do município ao proceder ao sorteio antes de tempo. Além disso, colocar “falsas declarações” e “desistências” no mesmo saco é profundamente desonesto, pois as razões para uma desistência podem ser legítimas (mudança de cidade, emprego, saúde), e não fraudulentas.

4. O erro foi da Câmara, não dos candidatos: deve haver reparação

A anulação do sorteio foi um erro processual grave da própria autarquia, que falhou em garantir que todas as etapas da validação estivessem concluídas antes de emitir comunicações oficiais. Se houve uma falha na fase de validação documental, esta não pode ser usada para desresponsabilizar o município. O mínimo exigido é que haja medidas compensatórias concretas, como prioridade no próximo sorteio ou apoio adicional, e não apenas um vago pedido de desculpas, que ao que parece, segundo afirmam os lesados, não chegou a existir.

5. A quebra de confiança nas instituições públicas

Este tipo de postura contribui para o descrédito das instituições e o aprofundamento da desconfiança dos cidadãos no Estado. Quando um processo desta natureza falha e é desvalorizado pelos responsáveis, passa-se a mensagem de que os mais frágeis não têm voz nem protecção. A habitação é um direito constitucional e a actuação da Câmara tem de ser pautada por rigor, transparência e humanidade.

A tentativa de Marta Sotto Maior  de minimizar - e de uma maneira geral, do Executivo Camarário presidido pelo Eng.º Carlos Moedas - a gravidade do erro e desviar a responsabilidade para os próprios candidatos é inaceitável. As famílias atingidas merecem muito mais do que um pedido de desculpas: merecem respeito, transparência, prioridade nas soluções e, acima de tudo, o reconhecimento de que foram vítimas de uma falha institucional que nunca deveria ter ocorrido. A administração pública deve assumir os seus erros com dignidade – e não transferir culpas para os cidadãos que mais precisam dela.