
Francisco Mota Ferreira
Isto já não vai lá só com manifestações
As ruas há muito que clamam por habitação para todos, mas, apesar dos protestos, o preço dispara. As plataformas cívicas como a Casa para Viver, em parceria com partidos de esquerda como o BE, o PCP e o Livre, têm mobilizado milhares de pessoas em várias cidades portuguesas. Exigem medidas urgentes para travar despejos, regular rendas, conter o boom do Alojamento Local e promover habitação pública. As manifestações, realizadas em setembro e janeiro passados e, agora mais recentemente, em junho, são um sinal de profunda insatisfação social.
No entanto, à medida que a força destas mobilizações aumenta, os preços das casas continuam a subir. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados recentemente são, a este respeito, muito claros: no primeiro trimestre de 2025, o Índice de Preços da Habitação subiu 16,3 % em termos homólogos — a maior subida alguma vez registada em Portugal — com os imóveis existentes a crescer 17 % e os novos 14,5 %. No mesmo período, foram transacionadas 41 358 habitações, um aumento de 25 % face ao ano anterior, totalizando cerca de 9,6 mil milhões de euros.
Por outro lado, a análise das transações revela que apenas cerca de 5% envolveram compradores estrangeiros — o nível mais baixo dos últimos anos —, o que demonstra que o fenómeno não é especulação internacional, mas sim um aumento generalizado entre os próprios residentes.
Num País como Portugal, onde a economia cresce 1.5%, a inflação 2.1% e as casas aumentam 9% tal demonstra bem a incapacidade de muitos em concretizar o desejo de habitação própria. Outro dado, preocupante: Portugal situa-se entre os países da OCDE onde o rácio preço/rendimento mais subiu desde 2015.
Este panorama revela uma contradição: as manifestações são ruidosas, mas o mercado continua impiedoso. Se, de um lado, se grita por justiça habitacional, do outro são cheques milionários a trocarem de mãos — tanto na compra, como na venda ou no arrendamento.
Aqui chegados, todos temos de entender que, neste momento, as pessoas manifestarem-se já não chega. E porquê? Elenco aqui alguns dos motivos que, a meu ver, estão a inquinar este mercado:
- Oferta limitada e procura desenfreada: o fundamental problema é a falta de casas - mesmo com novas construções ligeiramente em alta, esta não chega para regular o mercado;
- Políticas públicas sem força: incentivos ao investimento e garantias de crédito para jovens acabam por inflacionar — não baixar — os preços. Por sua vez, medidas tímidas a favor da habitação pública continuam no papel, sem impacto imediato.
- Mercado imune a protestos: as manifestações ganham visibilidade, mas não travam o motor da especulação.
- Uma geração penalizada: muitos jovens ficam à margem do mercado, num problema que está já a afetar várias gerações.
Honra lhes seja feita: as manifestações tiveram o mérito de trazer a habitação para o centro do debate político, expondo quem lucra com a crise e quem sofre com esta. Mas, se tivermos apenas uma mobilização simbólica, sem qualquer correspondência com medidas estruturais eficazes — controlo de rendas, aumento real do parque público, regulação forte do arrendamento turístico e limitação estratégica dos benefícios fiscais — o mote “isto já não vai lá com manifestações” torna-se profético.
Num País onde os preços sobem acima de 16 % num trimestre — com salários que, manifestamente, não acompanham esta subida —, as manifestações podem denunciar o problema, mas continuam impotentes contra as leis do mercado. É urgente um financiamento político e institucional à altura, com legislação firme, coerente e rápida. Caso contrário, enquanto o mercado continuar a disparar, o protesto será uma performance vazia, sem capacidade para inverter a tendência. E, pior ainda, sem garantir um teto a quem mais precisa.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico