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Opinião
Francisco Mota Ferreira

Francisco Mota Ferreira

Isto já não vai lá só com manifestações

30 de junho de 2025

As ruas há muito que clamam por habitação para todos, mas, apesar dos protestos, o preço dispara. As plataformas cívicas como a Casa para Viver, em parceria com partidos de esquerda como o BE, o PCP e o Livre, têm mobilizado milhares de pessoas em várias cidades portuguesas. Exigem medidas urgentes para travar despejos, regular rendas, conter o boom do Alojamento Local e promover habitação pública. As manifestações, realizadas em setembro e janeiro passados e, agora mais recentemente, em junho, são um sinal de profunda insatisfação social.

No entanto, à medida que a força destas mobilizações aumenta, os preços das casas continuam a subir. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados recentemente são, a este respeito, muito claros: no primeiro trimestre de 2025, o Índice de Preços da Habitação subiu 16,3 % em termos homólogos — a maior subida alguma vez registada em Portugal — com os imóveis existentes a crescer 17 % e os novos 14,5 %. No mesmo período, foram transacionadas 41 358 habitações, um aumento de 25 % face ao ano anterior, totalizando cerca de 9,6 mil milhões de euros.

Por outro lado, a análise das transações revela que apenas cerca de 5% envolveram compradores estrangeiros — o nível mais baixo dos últimos anos —, o que demonstra que o fenómeno não é especulação internacional, mas sim um aumento generalizado entre os próprios residentes.

Num País como Portugal, onde a economia cresce 1.5%, a inflação 2.1% e as casas aumentam 9% tal demonstra bem a incapacidade de muitos em concretizar o desejo de habitação própria. Outro dado, preocupante: Portugal situa-se entre os países da OCDE onde o rácio preço/rendimento mais subiu desde 2015.

Este panorama revela uma contradição: as manifestações são ruidosas, mas o mercado continua impiedoso. Se, de um lado, se grita por justiça habitacional, do outro são cheques milionários a trocarem de mãos — tanto na compra, como na venda ou no arrendamento.

Aqui chegados, todos temos de entender que, neste momento, as pessoas manifestarem-se já não chega. E porquê? Elenco aqui alguns dos motivos que, a meu ver, estão a inquinar este mercado:

- Oferta limitada e procura desenfreada: o fundamental problema é a falta de casas - mesmo com novas construções ligeiramente em alta, esta não chega para regular o mercado;

- Políticas públicas sem força: incentivos ao investimento e garantias de crédito para jovens acabam por inflacionar — não baixar — os preços. Por sua vez, medidas tímidas a favor da habitação pública continuam no papel, sem impacto imediato.

- Mercado imune a protestos: as manifestações ganham visibilidade, mas não travam o motor da especulação.

- Uma geração penalizada: muitos jovens ficam à margem do mercado, num problema que está já a afetar várias gerações.

Honra lhes seja feita: as manifestações tiveram o mérito de trazer a habitação para o centro do debate político, expondo quem lucra com a crise e quem sofre com esta. Mas, se tivermos apenas uma mobilização simbólica, sem qualquer correspondência com medidas estruturais eficazes — controlo de rendas, aumento real do parque público, regulação forte do arrendamento turístico e limitação estratégica dos benefícios fiscais — o mote “isto já não vai lá com manifestações” torna-se profético.

Num País onde os preços sobem acima de 16 % num trimestre — com salários que, manifestamente, não acompanham esta subida —, as manifestações podem denunciar o problema, mas continuam impotentes contra as leis do mercado. É urgente um financiamento político e institucional à altura, com legislação firme, coerente e rápida. Caso contrário, enquanto o mercado continuar a disparar, o protesto será uma performance vazia, sem capacidade para inverter a tendência. E, pior ainda, sem garantir um teto a quem mais precisa.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico

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