Uma revolução para Lisboa
Na última semana, no meio das inúmeras notícias que, regularmente, surgem nos media sobre imobiliário, houve uma que, no meu entender, se destacou, pela clareza das posições assumidas: a entrevista que a Vereadora da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta, deu no passado dia 27 de Dezembro ao Jornal de Negócios. Ao lermos aquela entrevista, ficamos a saber o que pretende o Executivo Municipal fazer em Lisboa para os próximos quatro anos. E é verbalizado como se pretende fazê-lo, construindo as pontes necessárias para a prossecução do bem comum e de uma política de habitação que possa servir os lisboetas, nomeadamente quem mais precisa.
Fazendo, desde já, uma declaração de interesses: vivi mais de duas décadas na cidade e tive o privilégio de, noutras vidas, trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa. Na Habitação, conheço alguns dos problemas endémicos que, pelo que me apercebo, continuam a afligir quem chega de novo a funções Executivas naquela que é a maior Câmara do País. Problemas que passam, por exemplo, por milhares de pessoas à procura de uma habitação condigna enquanto que, ao mesmo tempo, muito património imobiliário da CML está fechado e degradado. Por acompanhar regularmente estes temas tenho, confesso-vos, curiosidade acrescida em perceber de que forma os “Novos Tempos” do Presidente Carlos Moedas poderão traduzir-se em melhorias no seu conjunto: para a cidade, para os lisboetas e para quem a frequenta, seja em trabalho ou em lazer.
Lendo a entrevista de Filipa Roseta há, no imediato, um dado indesmentível: o “jogo” está todo lá, as opções políticas e as prioridades são assumidas em pleno e, lendo nas linhas e entrelinhas, percebe-se claramente o que se pode esperar dos próximos quatro anos.
Do leque do que foi anunciado pela Vereadora, eu destacaria alguns pontos que, a serem bem-sucedidos, serão não apenas uma pedrada no charco, mas o começo de uma revolução que, mais do que necessária, é fundamental e urge ocorrer em Lisboa.
A começar pelo fim do preconceito ideológico no que é o suposto património da esquerda e da direita em relação às políticas sociais, onde se incluem, naturalmente, as políticas de Habitação. Filipa Roseta tem, aliás, um caminho já iniciado em Cascais, com provas dadas, mas arriscar-me-ia a dizer que se nota também claramente a influência materna da Arquitecta Helena Roseta, que tem décadas pensadas sobre políticas de Habitação e Urbanismo. A ideia de dispersar a habitação social pela cidade, promovendo a integração de todos os moradores e acabando progressivamente com os “guetos” parece-me, aliás, ser um bom princípio.
Em igual medida, a reactivação do Conselho Municipal de Habitação pode ser um fórum bem interessante para auscultar o coração da cidade, ao ouvir as forças vivas que lidam com este sector, antecipando problemas e procurando soluções em conjunto. Neste ponto atrevo-me, aliás, a ir um pouco mais longe, desafiando o Executivo Municipal a ter a audácia de criar mecanismos intermunicipais que digam respeito a problemas comuns. No caso da Habitação, defendo que uma política integrada intermunicipal entre Lisboa e os seus concelhos limítrofes poderia criar aqui o movimento centrípeto que levaria, numa primeira fase, à reabilitação de habitação degradada nestas Autarquias e, posteriormente à criação de uma dinâmica de aproximação das pessoas à cidade.
Dito isto, considero que uma política integrada de habitação não pode ser um fim em si mesma e deverá ter a capacidade de ser dinâmica. Mais do que juntar as entidades privadas que têm uma palavra a dizer sobre o sector – moradores, promotores, Fundos, agências imobiliárias, empresas, proprietários, inquilinos e outros - Lisboa, enquanto cidade capital, deverá ter a capacidade de ser o elemento charneira que possa juntar as restantes Autarquias neste propósito, replicando os bons exemplos que, felizmente, ocorrem pelo País e criando “doutrina” para o futuro. Para início de conversa, basta, por exemplo, aproveitar as dinâmicas já existentes na Área Metropolitana de Lisboa, na Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e na Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
Mas Lisboa, por força do seu peso e da sua influência, deverá também ter a habilidade de juntar o Estado nesta sinergia. O que pode passar por, por exemplo, envolver neste desafio integrado o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), com o Estado a dar-lhe a efectiva capacidade de ser a “entidade pública promotora da política nacional de habitação” e não apenas mais uma entidade estatal perdida no emaranhado de organismos públicos que são criados, mas que depois não se percebe muito bem para o que servem.
O direito a uma habitação condigna, constitucionalmente consagrado, não pode ser apenas um verbo de encher. E, paralelamente, a Habitação não pode também ser uma arma de arremesso entre a Esquerda e a Direita ou entre quem está no Poder ou se encontra na Oposição. Pelo que li desta entrevista, acredito que Filipa Roseta terá a vontade e a capacidade de fazer mais e melhor, consiga a oposição perceber o que está verdadeiramente em causa, acima da espuma mediática dos dias. Quem sabe se os “Novos Tempos” de que se tanto se fala agora começam, justamente, pela Habitação?
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).