CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

 

(A)Rebenta a bolha

10 de janeiro de 2022

Quando éramos miúdos, nos muitos jogos e brincadeiras que se faziam, os que entusiasmavam mais eram aqueles que tinham mais risco, mais aventura e mais audácia. Crescer nos anos 80 do século passado foi, também por isso, uma felicidade e, convenhamos, uma sorte bestial: hoje em dia, graças à ditadura do politicamente correcto e entre os medos e receios (verdadeiros e artificiais), as crianças são educadas numa redoma que as torna mimadas e com pouca capacidade para reagir às adversidades. Para aquilo que a nossa geração foi fazendo e arriscando, se hoje em dia estamos vivos e de saúde, dever-se-á certamente à Providência e aos milhares de Anjos da Guarda que não tiveram sossego a tomar conta de todos nós para que chegássemos à idade adulta com uma enorme nostalgia pelas asneiras praticadas no passado.

Mas, por muito arriscados que fossem os nossos jogos e as nossas brincadeiras, havia sempre uma garantia que, se não estivéssemos a gostar do rumo da coisa, podíamos sempre dizer a frase mágica: “(a)rebenta a bolha”. Quem a pronunciasse tinha assegurada a interrupção da brincadeira, para sair do jogo sem penalizações ou para contestar a forma como este se estava a desenrolar.

Lembrei-me dos meus jogos de infância e do “(a)rebenta a bolha)” quando reparei que, uma vez mais, voltaram as notícias que o preço das casas está a aumentar e que existe uma tendência consolidada nesta subida: segundo dados coligidos pelo Imovirtual, comprar casa em 2021 foi 5% mais caro do que em 2020 e mais 12% em relação a 2019.

Não quero por em causa, naturalmente, as avaliações que são feitas e acredito que são fundamentadas e consolidadas em tendências e mecanismos fiáveis que permitem, com relativa segurança, fazer este tipo de prognósticos. Mas dou por mim a pensar se não existirá aqui mais achismo que ciência. Se acham que posso estar a correr o risco de ser injusto, façam este exercício e metam no Google a frase “preço das casas vai baixar em 2022”. E, depois, façam uma nova busca com “preço das casas vai subir em 2022”. E vão constatar que há, de facto, opiniões para todos os gostos, com dados concretos e aparentemente fiáveis, que permitem, a qualquer um de nós, encontrar a verdade no facto de o preço das casas subir ou descer este ano. E, obviamente, ficar na mesma.

Já não me recordo de todos os passos que aconteceram para chegarmos à crise de 2008, mas acompanhando aqui a tendência e o mercado, diria que estamos a criar as condições para uma tempestade perfeita. Entre a crise económica e social prevista de 2022, a bolha de segurança artificial que se criou à volta do imobiliário (veja-se o caso das moratórias, por exemplo), e a percepção, tantas vezes errada, que há sempre alguém que pague um T1 pelo preço de um palácio, temo, verdadeiramente, que o ano que ainda agora começou seja marcado por um agravar do actual panorama no sector. Com a desvantagem de que, nesta realidade, não podemos sair do jogo sem mazelas só porque alguém se lembrou de dizer, em plenos pulmões, “(a)rebenta a bolha”.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).