Quando o Estado quer ser uma pessoa de bem
Uma das coisas que me faz mais impressão tem a ver com a forma pouco cuidada que o Estado gere e cuida o seu património imobiliário. Não me devia surpreender, confesso-vos. No final de contas, se lá chegar, no último trimestre deste ano celebro meio século de vida e, por isso, já não tenho grandes esperanças em deslumbres, ilusões ou falsas promessas.
Eu percebo que não seja fácil para o Estado gerir o imenso património que tem e, no limite, saber a real extensão do mesmo. Mas todos sabemos bem que o Estado é o primeiro a impor regras, regulamentos, taxas e taxinhas ao cidadão comum e é também, por norma, o primeiro a isentar-se dessas mesmas regras. No imobiliário é, aliás, gritante, e basta pensarmos na diferença que existe entre o Estado arrendatário e o Estado inquilino. Ou como o Estado é capaz de exigir uma panóplia de compromissos e deveres aos proprietários de terrenos e deixar os seus no mais completo abandono.
Volto a dizer, admito que possa ser complicado. E é por isso que vejo sempre com bons olhos notícias que dão conta que o Estado se prepara para alienar activos imobiliários que não usa ou que estão subaproveitados.
No final do ano passado, fomos agradavelmente surpreendidos pela notícia que o Governo vai converter em habitação acessível oito imóveis que pertencem actualmente à Defesa Nacional. São só oito, é verdade, mas é já um começo. O despacho já foi publicado em Diário da República e estima-se que esta alienação irá permitir a criação de 1.379 fogos para arrendar a preços acessíveis, num esforço onde foi chamado o não só o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) mas também os municípios onde estes imóveis se encontram (Lisboa, Porto e Oeiras).
Se se confirmarem todos os pressupostos, só posso mesmo aplaudir. É cedido o direito de superfície por 75 anos a oito imóveis que não estão actualmente a ser usados pelas Forças Armadas e que serão reconvertidos e integrados na bolsa de imóveis públicos para habitação. Durante este período estes serão adaptados para uso habitacional, podendo dar resposta aos problemas de carência habitacional que se vive em Portugal, nomeadamente quando pensamos na fraca oferta para programas de renda acessível.
Já aqui o escrevi e repito-o as vezes que forem necessárias. Na visão pública do imobiliário que defendo, o caminho passa por uma interligação, cada vez maior entre as entidades públicas e o sector privado, permitindo que, no caso do imobiliário nas mãos do Estado, este possa ser alocado para as necessidades de quem mais precisa.
Quando quer, o Estado até consegue ser uma pessoa de bem.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).