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Pelo fim da clivagem ideológica no imobiliário

24 de janeiro de 2022

Parece que hoje em dia já não é de bom tom uma pessoa dizer que é de esquerda ou de direita em termos de definição política e que estes são conceitos do passado, heranças das revoluções francesa, americana e bolchevique. Não sei se, de facto, assim o é. Sei que para milhares de eleitores em Portugal, um partido identificar-se como de esquerda ou de direita é ainda o compasso político que, no limite, nos leva a votar em A em detrimento do B.

Os anos que tenho de vida também me fazem acreditar que, mesmo num utópico fim do conceito, haverá sempre a ideologia, que tem levado a que os Governos se assumam como Governos e as oposições como oposições, acabando por defender ou atacar algo em função da posição que ocupam no xadrez político da circunstância e do momento.

Vem toda esta introdução a propósito do acto eleitoral a que vamos ser chamados no próximo dia 30. Porque a política pura e dura tem pouco que ver com o que escrevo nestas linhas, queria, no entanto, dar-vos conta que me dediquei a analisar o que os partidos com assento parlamentar defendem para o as grandes questões do imobiliário. E, verdade seja dita, embora se note a clivagem ideológica nos programas políticos, o facto é que já há alguns temas comuns, evidências partilhadas que, no limite, me fazem sonhar que, independentemente da solução de Governo que venha a ser ditada nas urnas e encontrada pelos players políticos no day after, poder-se-á encontrar um caminho comum que, na sua essência ajude a resolver alguns dos mais graves problemas de milhares de pessoas quando falamos de habitação: a possibilidade a ter a preços acessíveis.

Da leitura dos vários programas políticos nota-se, aliás, que este é um problema que já está identificado por todas as forças políticas e também qual a resposta que deve ser dada. Todos parecem concordar que faltam habitações a preços mais consentâneos com a realidade económica da maioria das famílias em Portugal e que, para tal, o Estado deverá ser o motor essencial para esta revolução necessária. Através da construção de mais imóveis ou a reabilitar os milhares que estão na sua posse.

Um dado curioso que se destaca é que, no essencial, o que é defendido por todos os partidos mudou muito pouco em relação ao que era também preconizado por estes mesmos actores em 2019, aquando das últimas eleições legislativas. Nestes últimos três anos, tivemos uma pandemia pelo meio que limitou a nossa capacidade de actuação é certo, mas bem-visto o progresso destes temas no Parlamento português, o balanço resume-se à aprovação de uma nova Lei de Bases da Habitação e pouco mais.

Se há um consenso entre todos que o Estado deve assumir um papel preponderante, se se reconhece que há uma carência de habitação acessível, se há uma preocupação em relação aos jovens e à capacidade das cidades poderem atrair pessoas (e não as deixar fugir para as periferias, onde a capacidade de pagar uma habitação vai, infelizmente, mais ao encontro dos fracos recursos económicos de muitas famílias), penso que é chegado o tempo de se terminarem com as clivagens ideológicas em torno de um tema tão importante como este e encontrar-se o caminho que resolva algo que é prometido há décadas: o direito a uma habitação condigna para todos. Teremos essa capacidade? Ou vamos continuar a brincar ao governo e às oposições?

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).