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Opinião

 

Falsas partilhas

31 de janeiro de 2022

Um dos desabafos mais recorrentes que recebo dos consultores imobiliários que se dedicam em exclusivo ao mercado residencial prende-se com a questão das partilhas. E embora ache que já vi de tudo, há sempre alguma variação inédita que não deixa de me surpreender. A última foi a chamada “partilha conforme”, que ocorre quando o consultor assume perante os colegas que só faz partilha dos imóveis que sabe que não vai vender rapidamente. E aceita (ou não) essa partilha, conforme os imóveis tenham (ou não) saída.

O princípio da partilha do imóvel que se tem para venda é (ou deveria ser) a mais nobre e abnegada decisão de um qualquer consultor imobiliário. No final de contas, num negócio que é de pessoas para pessoas, onde o foco deve ser a satisfação do cliente de uma forma profissional, célere e eficaz, a partilha seria o corolário óbvio de tudo o que acima referi.

Infelizmente, como também sabemos, este é um mundo em que agências e consultores vivem numa realidade que parece ser vista através de espelhos, onde se aponta o que está mal nos outros, mas tende-se a esquecer a autocrítica ao que fazemos ou como actuamos.

Dito isto, convém clarificar o seguinte: não me choca nada que uma agência e/ou um consultor assuma como princípio de negócio que não faz partilhas. Ponto. É uma posição legítima, que pode decorrer de uma panóplia de circunstâncias diversas que levaram a isso mesmo: porque foi enganado por colegas no passado, porque não gosta de esperar meses para ser ressarcido da comissão devida, porque quer a comissão toda para si, porque acha que tem um activo bestial que vai vender-se antes de se pronunciar “abracadabra”, ou qualquer outra razão que, supostamente, justifique esta decisão.

Claro está que, neste pressuposto e num mundo ideal, não partilhar um negócio por opção deveria ser assumido sem margem para quaisquer dúvidas. Em primeiro lugar perante os colegas consultores e, no limite, perante os clientes.

E até dou de barato que essa política de não partilha não tenha que ser divulgada aos sete ventos. Pode ser uma estratégia comercial e ninguém tem nada que ver com isso. Mas eu, se estivesse no lugar do cliente, era não só um dos itens que perguntava antes de assinar o contrato, como tentaria que fosse consagrada uma cláusula no mesmo a comprometer a agência à procura activa de partilhas de negócio para a venda do meu imóvel. Ou, no limite (se legalmente a segunda opção não possa ser feita), tentaria garantir que, nas acções de marketing e divulgação do meu imóvel, estivesse de forma clara assegurado que a agência e/ou o consultor em causa fazem partilha. Podem ser soluções mais radicais, eu sei, mas no limite trariam aqui alguma dose adicional de seriedade a um negócio onde não faltam críticas e reparos a fazer de todos os stakeholders.

E, pelas queixas recorrentes que me fazem chegar sobre este tema, acredito que podia ser o caminho a trilhar para que não se começasse um negócio com falsas partilhas que prejudicam todos sem excepção.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).