Logo Diário Imobiliário
CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
JPS Group 2024Porta da Frente
Opinião
Falsas partilhas

 

Falsas partilhas

31 de janeiro de 2022

Um dos desabafos mais recorrentes que recebo dos consultores imobiliários que se dedicam em exclusivo ao mercado residencial prende-se com a questão das partilhas. E embora ache que já vi de tudo, há sempre alguma variação inédita que não deixa de me surpreender. A última foi a chamada “partilha conforme”, que ocorre quando o consultor assume perante os colegas que só faz partilha dos imóveis que sabe que não vai vender rapidamente. E aceita (ou não) essa partilha, conforme os imóveis tenham (ou não) saída.

O princípio da partilha do imóvel que se tem para venda é (ou deveria ser) a mais nobre e abnegada decisão de um qualquer consultor imobiliário. No final de contas, num negócio que é de pessoas para pessoas, onde o foco deve ser a satisfação do cliente de uma forma profissional, célere e eficaz, a partilha seria o corolário óbvio de tudo o que acima referi.

Infelizmente, como também sabemos, este é um mundo em que agências e consultores vivem numa realidade que parece ser vista através de espelhos, onde se aponta o que está mal nos outros, mas tende-se a esquecer a autocrítica ao que fazemos ou como actuamos.

Dito isto, convém clarificar o seguinte: não me choca nada que uma agência e/ou um consultor assuma como princípio de negócio que não faz partilhas. Ponto. É uma posição legítima, que pode decorrer de uma panóplia de circunstâncias diversas que levaram a isso mesmo: porque foi enganado por colegas no passado, porque não gosta de esperar meses para ser ressarcido da comissão devida, porque quer a comissão toda para si, porque acha que tem um activo bestial que vai vender-se antes de se pronunciar “abracadabra”, ou qualquer outra razão que, supostamente, justifique esta decisão.

Claro está que, neste pressuposto e num mundo ideal, não partilhar um negócio por opção deveria ser assumido sem margem para quaisquer dúvidas. Em primeiro lugar perante os colegas consultores e, no limite, perante os clientes.

E até dou de barato que essa política de não partilha não tenha que ser divulgada aos sete ventos. Pode ser uma estratégia comercial e ninguém tem nada que ver com isso. Mas eu, se estivesse no lugar do cliente, era não só um dos itens que perguntava antes de assinar o contrato, como tentaria que fosse consagrada uma cláusula no mesmo a comprometer a agência à procura activa de partilhas de negócio para a venda do meu imóvel. Ou, no limite (se legalmente a segunda opção não possa ser feita), tentaria garantir que, nas acções de marketing e divulgação do meu imóvel, estivesse de forma clara assegurado que a agência e/ou o consultor em causa fazem partilha. Podem ser soluções mais radicais, eu sei, mas no limite trariam aqui alguma dose adicional de seriedade a um negócio onde não faltam críticas e reparos a fazer de todos os stakeholders.

E, pelas queixas recorrentes que me fazem chegar sobre este tema, acredito que podia ser o caminho a trilhar para que não se começasse um negócio com falsas partilhas que prejudicam todos sem excepção.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).