
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil
Edifícios em Portugal: construir ou reabilitar?
A evolução do setor da construção em Portugal tem seguido um percurso distinto em comparação com outros países europeus, particularmente no que diz respeito à sua estrutura produtiva. Esta pode ser dividida em dois segmentos principais: a construção nova, que envolve a criação de novas edificações; e a reabilitação, que consiste na intervenção em edifícios já existentes com o objetivo de melhorar o seu desempenho ou modificar a sua funcionalidade, como nas obras de alteração, reconstrução ou conservação.
Em Portugal, a reabilitação de edifícios representa menos de 12% da produção total do setor da construção, situando-se cerca de quatro vezes abaixo da média da União Europeia. Esta representatividade reduzida do segmento, especialmente no que respeita à habitação, pode ser explicada por vários fatores, entre os quais se destacam a facilidade de acesso a financiamento para a construção nova, a falta de um mercado de arrendamento suficientemente dinâmico e competitivo, bem como o valor social que tradicionalmente se atribui à posse de imóveis.
Contudo, com a crescente maturidade do parque edificado e a necessidade de adaptar as construções existentes às novas exigências de conforto, segurança e tecnologia, esta realidade começa a mudar.
O setor da reabilitação tem, assim, registado um crescimento cada vez mais acentuado, tendência que se intensificará com a degradação dos edifícios - estima-se que mais de 35% dos imóveis em Portugal necessitem de intervenções urgentes, especialmente os construídos antes de 1990 - e com o apoio das políticas públicas de reabilitação, ao abrigo de programas municipais e incentivos fiscais e financeiros à conservação de edifícios. Antes de 2000, os estímulos à reabilitação eram pontuais e restritos a áreas históricas, com uma legislação fragmentada. No entanto, a partir de 2000, com a aprovação do regime jurídico da reabilitação urbana (Decreto-Lei n.º 307/2009), a reabilitação passou a ter um enquadramento legal mais sólido, com regimes integrados, programas estratégicos e instrumentos fiscais específicos. Este quadro foi reforçado com a criação do regime excecional para a reabilitação de edifícios (Decreto-Lei n.º 136/2014) e, em 2019, com a versão definitiva (Decreto-Lei n.º 95/2019), que introduziu ajustes legislativos em áreas como a acessibilidade, segurança contra sismos e incêndios, acústica, térmica e telecomunicações.
Embora a reabilitação apresente diversas vantagens, também enfrenta desafios significativos.
As intervenções requerem diagnósticos detalhados, trabalho sobre sistemas ocultos, coordenação com o património existente e adaptação a um quadro legal complexo. As reabilitações devem ser proporcionais, ter uma abordagem gradual e equilibrar o custo com o benefício, preservando e valorizando os elementos arquitetónicos, estéticos e socioculturais dos edifícios, enquanto minimizam o impacto ambiental, através da reutilização de componentes, valorização de materiais reciclados e da redução de emissões e resíduos.
Neste contexto, as obras de reabilitação, especialmente em estruturas de alvenaria, tendem a ser mais complexas, e o conhecimento técnico disponível para a sua conceção e execução é, muitas vezes, insuficiente. Ao longo dos anos, para adaptar os edifícios a novos usos, foram cometidas várias irregularidades que aumentaram a vulnerabilidade das construções, nomeadamente em termos de eficiência energética e segurança contra incêndios e sismos. Muitos destes edifícios antigos também não cumprem a legislação em vigor, o que pode resultar em penalizações, como a perda de incentivos fiscais, problemas reputacionais e até processos judiciais.
Em termos económicos, os custos de reabilitação tendem a ser superiores aos da construção nova, variando entre 20% e 25% a mais por metro quadrado, além de serem mais imprevisíveis, devido à escassez de mão-de-obra qualificada e à complexidade técnica envolvida na intervenção em edifícios antigos, frequentemente em mau estado de conservação ou protegidos. No entanto, a reabilitação é particularmente vantajosa quando visa a preservação da identidade urbana, a valorização do património, a promoção da sustentabilidade ambiental e a possibilidade de beneficiar de incentivos fiscais ou fundos europeus. Por outro lado, quando os edifícios apresentam falhas estruturais graves, riscos sísmicos ou de incêndio elevados, ou têm baixos níveis de eficiência energética, a construção nova pode ser uma opção mais económica, segura e viável do ponto de vista técnico.
Com isto, diversas medidas governamentais e organizacionais devem ser adotadas para incentivar a realização e boa execução das obras de reabilitação.
A nível governamental, destacam-se incentivos financeiros e fiscais para obras realizadas em zonas de reabilitação urbana certificadas pelas autarquias. Estes incluem o acesso a fundos estruturais, a aplicação de uma taxa de IVA reduzida (6%), isenções de IMT e IMI, e deduções no IRS para investimentos privados. Além disso, há o alargamento das áreas de reabilitação sob a gestão de unidades de intervenção integrada, como as sociedades de reabilitação urbana, a simplificação dos processos administrativos e o apoio à certificação profissional de técnicos especializados, com financiamento de formação ao abrigo de programas europeus.
A nível organizacional, é essencial recorrer a empresas e profissionais qualificados, realizar diagnósticos e auditorias especializadas de acordo com as normas técnicas e legais aplicáveis nas principais áreas de intervenção, como segurança estrutural, sismos, incêndios, desempenho térmico e acústico, e sustentabilidade ambiental. A coordenação entre arquitetos, conservadores de património e entidades licenciadoras e reguladoras também é fundamental, assim como a promoção de boas práticas através de benchmarking e divulgação de projetos bem-sucedidos, com o objetivo de incentivar a replicação dessas práticas no setor.
Neste contexto, a entrada em vigor da Diretiva Europeia 2024/1275 (EPBD - Energy Performance of Buildings Directive), implementada em Portugal pela Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios (ELPRE), juntamente com a legislação nacional mais recente, como o Decreto-Lei n.º 95/2019, constitui uma oportunidade estratégica para responder à crise habitacional, reduzir os riscos sísmicos e climáticos, preservar o património edificado e promover a transição da reabilitação de uma prática pontual para uma abordagem sistemática e preferencial, sempre que adequado.
Bruno de Carvalho Matos
Engenheiro Civil
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico