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Mojtaba Kamarlouei, CTO e Co-fundador da Builtrix

Mojtaba Kamarlouei, CTO e Co-fundador da Builtrix

Quando os certificados se tornam estratégia: EPC, ESG e a nova fronteira dos edifícios

4 de novembro de 2025

Para muitos, um EPC, Energy Performance Certificate ou Certificado de Desempenho Energético, foi durante anos apenas um documento de conformidade, algo exigido ao vender, arrendar ou reabilitar um edifício. Mas em 2025, essa visão está desatualizada. As mais recentes decisões da Comissão Europeia estão a transformar os EPC em ferramentas estratégicas, verdadeiras armas na luta pela descarbonização, pela valorização dos ativos e pela credibilidade em matéria de ESG.

Como alguém profundamente envolvido no desempenho energético e na gestão de edifícios, vejo esta evolução não como um fardo, mas como uma oportunidade. A questão já não é «Como sobrevivo às novas regras?», mas sim «Como posso transformar os EPC numa vantagem competitiva?»

A revisão da Diretiva Europeia do Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), adotada formalmente em 2024, marca um ponto de viragem. Os EPC deixam de ser documentos passivos: serão harmonizados em toda a Europa, digitalizados, mais rigorosos na precisão e interligados com Normas Mínimas de Desempenho Energético (MEPS). Um novo modelo comum aplicável a todos os Estados-Membros tornará as classificações dos edifícios mais comparáveis; a transição para edifícios de emissões nulas (ZEB) implicará que os novos edifícios fiquem sujeitos a critérios mais exigentes, reservando a classe A apenas para os que atinjam emissões quase nulas. Os EPC passarão a conter mais do que uma simples classificação: incluirão recomendações técnicas para orientar intervenções de reabilitação — isolamento, ventilação, iluminação, energias renováveis, sistemas de controlo e eficiência da água quente.

Os certificados de edifícios com fraco desempenho (abaixo da classe D) poderão ter validade reduzida para cinco anos, incentivando ciclos de melhoria mais curtos. A integração com os Passaportes de Renovação, que traçam planos faseados e holísticos para intervenções profundas, reforça a ambição estratégica por detrás do EPC 2.0. Isto vai muito além de uma atualização regulamentar: é uma mudança de paradigma, de EPCs enquanto “fotografia” do edifício para EPCs enquanto roteiros de ação, que orientam decisões, investimentos e responsabilidade.

Devemos, porém, fazer uma pausa: um EPC só é tão forte quanto os dados que o suportam. Toda a regulamentação e ambição de pouco servem se a medição não for correta. Em muitos portfólios, os gestores de edifícios enfrentam dados inconsistentes ou em falta (por exemplo, consumos energéticos incompletos ou ausência de métricas de ocupação), valores assumidos em vez de medidos, melhorias não atualizadas no certificado, fragmentação entre métodos e formatos nacionais, e falta de integração digital que ainda obriga a folhas de Excel manuais, com erros humanos e versões contraditórias.

Estes problemas corroem a confiança. Se as partes interessadas suspeitarem que o EPC está mal calibrado, o certificado deixa de ser uma ferramenta de decisão e passa a ser um risco. É por isso que a nova EPBD aposta fortemente em controlo de qualidade independente, formatos digitais, modelos comuns e auditorias contínuas. Quando 90% (ou mais) dos certificados emitidos tiverem de estar “corretos”, a pressão para profissionalizar os fluxos de dados será enorme. Caso contrário, passará mais tempo a defender o seu EPC do que a utilizá-lo como guia estratégico.

Com frequência, os EPC e os objetivos de ESG são tratados em paralelo. Mas isso é um erro. Estes dois mundos sobrepõem-se profundamente, e devem ser integrados na prática. Os quadros de ESG (por exemplo, relatórios de emissões Scope 1/2, intensidade carbónica ou eficiência energética) exigem uma quantificação sólida do consumo e das emissões, precisamente o que os EPC começam agora a exigir (uso de energia primária, emissões operacionais de CO₂). O ESG exige divulgação; os EPC institucionalizam a transparência de desempenho para inquilinos, investidores e financiadores. Um EPC credível é um dado pronto a integrar num dashboard ESG.

Para atrair capital verde, o setor imobiliário deve cumprir referenciais como a Taxonomia da União Europeia. Os edifícios que pretendam ser classificados como “ativos sustentáveis” terão de apresentar boas classificações energéticas para cumprir os critérios técnicos. Um EPC fraco torna-se risco de transição: os ativos menos eficientes enfrentam desvalorização, penalizações regulamentares e perda de atratividade no mercado. Os frameworks ESG que ignorem este risco estão a falhar uma componente essencial do “E”. O ESG também cobre aspetos como saúde e conforto dos ocupantes, resiliência, carbono de ciclo de vida e investimentos em reabilitação. Os EPC, ao incluírem recomendações de melhoria, tornam-se a ponte entre ambição ESG e planos de investimento concretos.

Em Portugal, esta mudança já é visível. Estudos econométricos recentes, abrangendo mais de 256 000 transações residenciais, mostram que os apartamentos com melhor classificação energética registam, em média, um prémio de preço de 13 %, enquanto as moradias têm um ganho de 5–6 %. O efeito é ainda mais forte em períodos de incerteza do mercado - sugerindo que a eficiência energética funciona como sinal de qualidade e resiliência. Outro estudo português, com base num modelo de seleção de Heckman, estima um prémio de cerca de 9% para imóveis de classe A em comparação com classes inferiores [3]. Em paralelo, análises técnicas independentes detetaram uma diferença média de –8,8 % entre o desempenho indicado nos EPC e o verificado em auditorias, o que reforça a necessidade de governança e validação de dados.

Em Espanha, um estudo de grande escala sobre mais de 1 500 habitações encontrou prémios de preço entre 5,4 % e 9,8 % para imóveis mais eficientes. Estes resultados para o mercado ibérico reforçam uma mensagem simples: o desempenho energético já influencia o valor dos ativos. Os EPC deixaram de ser burocracia neutra - são agora parte integrante da equação de investimento.

Os incentivos fiscais aumentam este dinamismo. Ao abrigo do artigo 44-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), os municípios podem conceder uma redução até 25% do imposto para edifícios energeticamente eficientes. Em Lisboa, a redução é de 15% para imóveis com classe A ou superior, ou que melhorem pelo menos duas classes após obras. Estas medidas reduzem prazos de retorno e fortalecem a viabilidade económica das reabilitações.

E porque estamos em Portugal, onde o futebol é paixão nacional, pensemos nesta analogia: o EPC é como o relatório de jogo - quantos golos marcou, quantos remates fez, quantas interceções conseguiram os defesas. O ESG é a estratégia da época - ganhar o campeonato, gerir o orçamento, construir a equipa para cinco anos. Se o relatório de jogo estiver errado - se os defesas não registaram as interceções -, interpreta mal a época e reforça as posições erradas. É o que acontece quando o EPC está incorreto, mas as ambições ESG são elevadas: o investimento vai parar ao sítio errado.

Se gere um portefólio imobiliário corporativo, há várias formas de se posicionar à frente: audite já a qualidade dos seus EPC, em vez de esperar cinco anos; verifique lacunas e atualizações em falta; invista em sistemas digitais de dados, automatize a recolha de consumos, ligue-a aos sistemas de gestão técnica (BMS) e controle versões; integre as metas de EPC no planeamento ESG, usando as classificações e recomendações como entrada para o planeamento de capital e relatórios de sustentabilidade; aproveite os passaportes de renovação para transformar recomendações de isolamento, climatização ou controlo em planos de investimento faseados; mantenha-se à frente da transposição nacional e das MEPS, previstas até 2026; e colabore com certificadores qualificados, exigindo auditorias e mecanismos de responsabilização que tornem os seus EPC defensáveis.

Estamos perante um momento de transformação: os EPC estão a evoluir de meros documentos burocráticos para ativos estratégicos, acionáveis e investíveis. O ESG já não pode ser apenas um slogan, precisa de assentar numa base sólida de dados fiáveis de desempenho, e os EPC são cada vez mais essa base. Os desafios de dados são reais, mas resolúveis. Enfrentá-los desde cedo posiciona-o não apenas como cumpridor, mas como líder em edifícios sustentáveis. À medida que o mercado começar a valorizar ativos de baixo carbono e alta eficiência, vencerão aqueles que tiverem construído fundamentos digitais sólidos e integrado os EPC na sua narrativa ESG.

O meu apelo aos gestores de energia e de edifícios é simples: não tratem os EPC como uma caixa a assinalar. Tratemo-los como uma bússola da transição energética. Usem-nos para orientar investimentos, defender estratégias e mostrar ao mundo que o vosso edifício não é apenas conforme, é competitivo.

Mojtaba Kamarlouei

Co-fundador e CTO da Builtrix

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico