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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Oslo é Lisboa?

20 de novembro de 2023

The Architect é uma minissérie da FilmIn, premiada na última edição do Festival de Berlim, que relata as dificuldades em obter uma casa em Oslo. Não existem casas vagas, o preço por m2 é irreal e os ordenados baixos votam milhares de pessoas a sonhar com o impossível. A série é, obviamente, ficcional e certamente baseada numa realidade alternativa que, no limite, até pode acontecer, se nada for feito para resolver o problema da Habitação.

Não estou ao corrente da realidade presente da Noruega – pelo menos, no que aos temas da Habitação diz respeito – mas, se já há a produção de uma série sobre um futuro orwelliano na busca de uma casa, será talvez sinal que, afinal de contas, António Costa até tinha razão e este é um problema da Europa. Ou, pelo menos, de parte dela.

A premissa que parte a série é simples: os preços estratosféricos das casas em Oslo levam as pessoas a fazer praticamente tudo para arranjar dinheiro para ter uma casa arrendada (incluindo vender os seus próprios órgãos ou sujeitarem-se a viver em condições menos dignas). Durante quatro episódios acompanhamos o percurso de Julie Alm, uma jovem arquiteta de 29 anos que, à semelhança de muitos da sua geração, não tem dinheiro para se manter na casa que arrenda porque o seu salário estagnou e deixou de ter capacidade financeira para a pagar.

E, porque tem de procurar um novo lugar para morar, Julie descobre que um dos sítios que estão a funcionar como habitação são os inúmeros parques de estacionamento, agora desertos, talvez porque já não se leva o carro para o centro da cidade. Esta parte é, no nosso mundo fora do ecrã, uma ficção. Mas, como sabemos, tirar o carro das cidades, principalmente dos seus centros, é algo que tem feito, o seu caminho entre os fundamentalistas que, aos poucos, têm conquistado território – veja-se, por exemplo, o que se passa atualmente no Reino Unido e as teorias das cidades 15 minutos para se perceber que, neste caso em concreto, a ficção não andará muito longe da realidade.

De volta ao The Architect, constatamos, a um dado momento da série, que a adversidade aguça o engenho - e porque não quero aqui fazer nenhuma espécie de spoiler - digamos que a protagonista tem uma epifania que, em simultâneo, resolve o desafio colocado ao atelier onde trabalha (que passava por construir mil habitações no centro de Olso) e, supõe-se, no futuro, o problema da Habitação na Noruega.

De volta à realidade e ao século XXI, sei bem que Oslo não é Lisboa e que, embora continuemos a ser surpreendidos todos os dias no que na Habitação diz respeito - todos nós já vimos ou lemos os preços obscenos que são pedidos por um mero quarto e ficámos chocados com os preços praticados por m2 – o facto é que ainda estamos, felizmente, muito longe do que aqui é descrito.

No entanto, os sinais estão todos à nossa frente para quem os quiser ver. Todos os dias somos literalmente bombardeados com notícias sobre o tema da Habitação e, de repente, multiplicaram-se as preocupações de algo que, em Portugal, perecia estar escondido ou só ao alcance de meia dúzia de iluminados.

Neste momento, mais do que cumprir o Artigo 65 da Constituição e a vontade dos legisladores quando escreveram que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, o importante será deixar a politiquice, a ideologia e as vaidades pessoais de lado. Para que, em conjunto, os vários stakeholders encontrem uma solução. Não se resolverá com uma bala de prata, como já aqui concordei, mas se, pelo menos, Presidente, (futuro) Governo e (novo) Parlamento se entendessem no essencial, tudo o resto viria por arrasto. Infelizmente, duvido da capacidade da classe política para atingir um compromisso num tema que ontem já era tarde. Numa Oslo de ficção ou numa Lisboa real.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).