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Habitação by century 21

 

Na habitação, “vamos com um atraso de décadas” - diz a ministra

9 de junho de 2023

O Partido Socialista (PS), a governar desde 2015, tem a sua quota de responsabilidade na falta de construção e oferta de habitação pública, reconhece a ministra da Habitação.

“Nunca dissemos o contrário. (…) Vamos com um atraso de décadas. Ao falar de um atraso de décadas, todos nós devemos ser responsabilizados pelo que não fomos fazendo ao longo do tempo”, sublinha Marina Gonçalves, em entrevista à agência Lusa.

O Programa Especial de Realojamento – criado há 30 anos para erradicar as barracas nas zonas de Lisboa e Porto – foi “muito importante”, mas “não deixou de ser um programa temporário, porque era para uma necessidade em concreto, era para duas áreas metropolitanas, e não para o país como um todo, e não tinha esta visão de olhar para a habitação como um pilar do Estado Social”, destaca a ministra.


Um parque habitacional público diminuto

É preciso agora, defende a ministra, “olhar para a habitação como para a educação e a saúde” e construir “uma política universal”, realçando, porém, que este é “um trabalho que demora também o seu tempo a concretizar-se estruturalmente na sociedade”.

O parque habitacional público de Portugal é dos mais baixos da Europa, com 2%, face à média europeia de 12% e que compara com países que chegam aos 20% e 30%, como a Holanda.

Quando Marina Gonçalves era secretária de Estado (e Pedro Nuno Santos ministro das Infraestruturas e Habitação), o Governo anunciou o objectivo de aumentar o parque público habitacional dos actuais 2% para 5% nos próximos anos.

Garantindo que a habitação "é a grande prioridade", a agora ministra realça que construir ou reabilitar não acontece "de um dia para o outro" e "demora o seu tempo, daí a necessidade também de respostas a curto prazo".


Prédio em Lisboa - Foto de Sergio Rola -unsplash


Medidas que já entraram em vigor

Em vigor já estão os diplomas referentes ao apoio à renda e à bonificação dos juros no crédito à habitação, que o Governo pôde adoptar sem discussão parlamentar prévia.

A ministra da Habitação diz que leu o manifesto Casa para Viver, que junta mais de cem organizações, e garante que as propostas da sociedade civil e do sector tiveram “alguma repercussão” nas medidas do Governo.

Questionada sobre o aumento da contestação social em relação à crise na habitação, Marina Gonçalves realça que “é importante, da mesma forma que o sector do alojamento local se mobilizou, que os proprietários se mobilizaram, que os inquilinos se mobilizam, que a sociedade civil se mobilize também”.

O movimento Casa Para Viver, que levou às ruas de sete cidades portuguesas milhares de pessoas pelo direito à habitação, anunciou um novo protesto para 22 de Junho, em Lisboa.

O problema da falta de acesso de “muitas famílias” a uma habitação digna “existe mesmo”, ressalva, notando que “é normal que as pessoas reivindiquem os seus direitos”.

Outra coisa é discutir se a solução passa “pela medida A ou pela medida B”, contrapõe, recordando que, na habitação, “nunca é fácil” agradar a todas as partes.

O Governo, diz a ministra, buscou “o equilíbrio mais eficaz”, tentando “responder às famílias sem pôr em causa a confiança do mercado”, que “é fundamental para ter mais habitação, não apenas pública, mas também nos sectores cooperativo e privado”.


Prédio reabilitado no Porto - Foto Domus Porto


As propostas da oposição

No debate sobre o Mais Habitação, que, em 19 de Maio, foi aprovado na generalidade no parlamento, com o voto favorável do PS, Marina Gonçalves garantiu, como já tinha feito anteriormente, que o Governo estava aberto ao diálogo e a contributos de todos.

Porém, o PS chumbou todos os projectos de lei da oposição (10).

A ministra recusa a crítica de falta de diálogo.

“A proposta que apresentámos em 16 de Fevereiro e a proposta que levámos ao parlamento teve uma grande evolução nas medidas, mas também na forma como desenhamos as medidas”, reage, dando como exemplos “o Porta 65 em contínuo”, que foi uma proposta que alguns partidos apresentaram no parlamento, e as regras de licenciamento e uso de solos, nas quais “há muito equilíbrio de posição, sem prejuízo de se poder afinar algumas matérias”.

O Governo fez uma ponderação “em função dos vários pareceres, das várias posições, dos vários debates”, assinala, sublinhando que houve uma “discussão pública muito alargada”.

O chumbo do PS – realça a ministra – “não significa sequer que aquelas propostas todas no seu conjunto não possam depois ter uma dimensão de proposta de alteração no âmbito da discussão na especialidade” na Assembleia da República.

A ministra considera, por isso, “prematuro” dizer que o Governo não aceitou as propostas dos partidos da oposição.

“É um processo em contínuo”, vinca, admitindo acolher as propostas que “contribuírem para o objectivo de mais habitação”.


O controverso «arrendamento forçado»

O arrendamento forçado de casas devolutas nunca será uma solução que responda em larga escala ao problema da habitação, reconhece a ministra Marina Gonçalves, mostrando abertura para discutir instrumentos que permitam mobilizar este património com maior assertividade.

Lembrando que a figura do arrendamento forçado para habitações devolutas já existe na lei, a ministra da Habitação, refere que o objectivo da proposta do Governo é tornar este instrumento eficaz.

"Temos de realmente tornar estes instrumentos eficazes na dimensão que eles têm" e ver em que medida respondem, disse a ministra, reconhecendo que este "não é um instrumento em si que vai resolver a política habitacional, nunca será um instrumento que responda em larga escala", ainda que possa ser muito útil.

"Aquilo que nós estamos aqui a fazer é acrescentar um instrumento para os municípios, na definição de estratégias, onde muitos destes municípios, estes em concreto [Lisboa e Porto], dizem ter carências habitacionais, têm carências habitacionais e estão a trabalhar para resolver essas carências", referiu a ministra quando questionada sobre o facto de as autarquias de Lisboa e do Porto já terem dito que não pretendem fazer uso do arrendamento forçado.

A ministra admite, contudo que se a eficácia da medida é posta em causa e se há instrumentos alternativos, que é neles que se deve trabalhar. "Se acharmos em conjunto, no debate do parlamento, que há instrumentos que conseguem mobilizar o património devoluto com maior assertividade do que aquele que nós apresentamos, estamos sempre dispostos a fazer essa discussão", afirmou.



1.º Direito

A ministra assinalou também que “todos” os 308 municípios do país estão a trabalhar nas Estratégias Locais de Habitação (ELH), no âmbito do programa 1.º Direito.

Desse total, adiantou, 250 já têm as ELH “em execução, em projecto ou em obra”, número representa pouco mais do que os 242 que já o tinham feito há dois meses, quando o Governo fez o último balanço.

Mas, a ministra sublinha que “a maior parte” dos restantes 58 municípios está “mesmo em fase final de aprovação” das estratégias.

“É um esforço que está mesmo a ser feito por todo o país, inclusive nas regiões autónomas, em complementaridade com os programas regionais que estão em curso”, sublinha.

Os municípios identificaram, até agora, cerca de 67 mil famílias a viverem em condições indignas.

As Estratégias Locais de Habitação assentam “em mais de 40%” na reabilitação do parque habitacional dos municípios, “muito dele devoluto porque não havia fontes de financiamento”, contabiliza a ministra.

Marina Gonçalves regista também “um avanço muito positivo” no número de proprietários privados que querem reabilitar devolutos. “Temos várias centenas de proprietários privados que já apresentaram candidaturas no IHRU [Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana]”, disse.


Vale Formoso - Lisboa: caso de sucesso do sector cooperativo - Foto Fenache


A importância que o sector cooperativo... “pode vir a ter”

Em entrevista à Lusa, no Ministério da Habitação, em Lisboa, Marina Gonçalves reconhece entraves no acesso ao financiamento e ao crédito por parte das cooperativas.

“Estamos a trabalhar com o Banco de Fomento numa linha de financiamento sustentável, mais duradoura, em função dos projectos, que permita responder às cooperativas enquanto projecto” colectivo e não individual, “de cada cooperante”.

“Ainda estamos a definir o modelo, mas a ideia é que seja uma linha bonificada pelo Estado, para permitir essa sustentabilidade”, adianta, recordando o exemplo recente de dois terrenos do Estado colocados a concurso que “ficaram desertos, precisamente pela dimensão de financiamento” e pela “incapacidade das cooperativas” de acederem a esse financiamento.

Questionada sobre a hipótese de as cooperativas poderem propor terrenos públicos a projectos, a ministra disse que “a ideia é conjugar várias dimensões”: mobilização de terrenos públicos para aquele fim habitacional, linha de financiamento e capacitação do sector cooperativo.

Segundo dados fornecidos à Lusa pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, actualmente estão registadas 175 cooperativas de habitação e construção, na “grande maioria" em regime de propriedade individual, ainda que a propriedade colectiva tenha começado “a ser mais usada recentemente, em algumas das poucas cooperativas de habitação e construção que se têm vindo a constituir e que pretendem usar o sistema de habitação colaborativa”.

A ministra Marina Gonçalves promete um “trabalho de parceria”, entre Estado (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), municípios e cooperativas, para “montar um modelo que seja eficaz”.

Só depois desse trabalho serão conhecidos critérios de elegibilidade, montantes e prazos.

“A proposta, neste momento, está a ser desenhada”, ressalva.

O Programa Mais Habitação propõe o reforço fiscal e da linha de financiamento das cooperativas, incluindo uma verba de 250 milhões de euros para os sectores privado e cooperativo, mas desconhece-se a parte que será aplicada especificamente às cooperativas.

“O sector cooperativo é parte fundamental para responder de forma estrutural aos problemas de habitação, no modelo colaborativo e na lógica de partilha de comunidade”, destaca Marina Gonçalves.

Lusa/DI