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Casas com História

Palácio do Alfeite - Foto Marinha Portuguesa

Palácio e Quinta Real do Alfeite

24 de abril de 2023

Uma das propriedades preferidas do rei D. Carlos para as suas caçadas era bem próxima da cidade de Lisboa. Ficava do outro lado do rio e situava-se à beira da Margem Sul do Rio Tejo e estendia-se por 300 hectares, desde a Ponta dos Corvos, frente ao Seixal, até ao Caramujo e Romeira, na Cova da Piedade e era conhecida como o Palácio e Quinta Real do Alfeite. Este era também um dos locais predilectos da rainha Dona Amélia para ‘ir a banhos’.


Joaquim Possidónio da Silva, o arquitecto do Palácio do Alfeite


Em 1958, foi ali instalada a Base Naval da Marinha Portuguesa e desde, então, poucos têm tido a oportunidade de apreciar a beleza deste Palácio que fica escondido à maioria dos cidadãos civis. Contudo, a sua História e memórias continuam presentes, tendo já sido alvo de alguns trabalhos de investigação. Foi tema de dissertação de Mestrado de Susana Maria Lopes Quaresma Pereira, “O palácio real do Alfeite: da fundação à contemporaneidade, século XVIII-XX: percursos e funcionalidades”, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2009 e de um livro, "Quinta Real do Alfeite" das origens ao advento da República da autoria de Alexandre M. Flores e António Neves Policarpo.


Paço Real do Alfeite - Pintura do pintor espanhol Enrique Casanova


Da Monarquia à República

A história do Alfeite está ligada à de Almada. A primeira referência que se conhece relaciona-se com a doação dos territórios de Almada aos cruzados ingleses que apoiaram D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa. Posteriormente integrada na Coroa, a Quinta do Alfeite, foi atribuída por D. Fernando ao dote de D. Leonor Teles. Confiscada na sequência da revolução de 1383 foi doada pelo Mestre de Avis em 1384 a D. Nuno Álvares Pereira. Foi no Alfeite que se reuniu a hoste de 200 lanças e respectiva peonagem que, em Abril de 1384, venceu nos Atoleiros, as forças de D. João de Castela.

Alguns anos depois a Quinta foi doada pelo Contestável ao Convento do Carmo. Transferida em 1499 para a propriedade dos Condes de Tarouca foi incorporada em 1690 na Casa do Infantado, instituição régia criada por D. João IV a favor do Infante D. Pedro, futuro D. Pedro II. Em 1834 a Casa do Infantado foi extinta por decreto de D. Pedro IV, sendo os seus bens integrados na Fazenda Real, à excepção do Palácio do Alfeite que ficou usufruto régio.


Illustração Portugueza


Depois da instauração da República, em 1910, os bens da Fazenda Real foram incorporados no Ministério das Finanças. Em 1911 a Quinta do Alfeite foi entregue ao Ministério do Fomento, para que a sua exploração agrícola fosse efectuada pela Direcção Geral da Agricultura. Em 1918, depois de algumas ideias anteriores foi criada a Junta Autónoma para a construção do Arsenal da Marinha, a quem foram entregues, pela Direcção Geral da Fazenda Pública, o Palácio Nacional do Alfeite e os terrenos anexos.


Gravura in "O Occidente" - 21 de Março de 1887


Posteriormente a Junta Autónoma foi substituída pela Intendência do Arsenal do Alfeite e em 1938, substituído pela Intendência de Marinha do Alfeite. Só em Dezembro de 1958, através do Decreto-Lei nº 41.989 foi criada a Base Naval do Alfeite.


Interior do Palácio do Alfeite - Foto Marinha Portuguesa


As várias obras de remodelação do Palácio

Desde meados de século XVIII que o Palácio do Alfeite foi residência de veraneio, recreio e convívio da família real até ao final da monarquia. O Real Paço do Alfeite terá sido mandado construir em 1758 pelo Infante D. Pedro, filho de D. João V, sobre outras edificações que desde o século XV existiam no local.

As obras de remodelação e restauro foram mandadas efectuar por D. Pedro V em 1849 e realizadas pelo arquitecto Joaquim Possidónio da Silva. Foram também objecto de renovação os jardins urbanizados anexos ao Palácio. Num dos jardins encontra-se ainda hoje uma árvore de borracha (Ficus Elastica), muito antiga e que de acordo com a tradição, foi trazida da Índia por Vasco da Gama ou, pelo menos num dos navios que levavam de volta ao Continente D. Duarte Menezes, seu predecessor no Governo da Índia.


Palácio do Alfeite - escadaria - Foto Marinha Portuguesa


Ainda em 1969, iniciaram-se obras de restauro, envolvendo a consolidação da estrutura do edifício e a remodelação dos interiores dirigidas pelo arquitecto Samuel Quininha, que deram ao Palácio a sua configuração actual. Encontram-se ainda diversas obras de arte no seu interior, como por exemplo o busto de D. Fernando II por August Armand e os bustos de D. Pedro IV e D. Luís I, por Anatole Calmels, todos no átrio da entrada. Destaque também para o retrato do rei D. Carlos pintado por Vieira de Melo (século XIX) no Salão Nobre e curiosamente encontra-se ainda no mesmo salão mesmo em frente do retrato de D. Carlos, um quadro de grande dimensões da pintora Josefa Greno, uma obra que consta do espólio do Museu Nacional de Arte Contemporânea (Museu do Chiado) e que até à sua descoberta em 2001 não se sabia do seu paradeiro. O quadro não está assinado pela pintora e daí que a Marinha não sabia a autoria do mesmo.


O tesouro escondido no Alfeite

No “Jornal da Região – Almada” de 25 de Outubro de 2000 na rubrica ‘Cantinhos da Região’ , António Neves Policarpo revela ainda a história de um tesouro encontrado no Palácio do Alfeite.

Para as obras da construção do Arsenal do Alfeite que duraram 20 anos foi necessário pesquisar o solo. Segundo Policarpo é neste contexto que em 1925, no decurso de alguns trabalhos de sondagem geológica para estudo do solo, é encontrado um fabuloso tesouro soterrado no Alfeite.

“Nos primeiros dias desse ano, ao proceder-se a sondagens do solo, alguns operários depararam-se com um objecto insólito. Tratava-se de um grande talha de barro, repleta de reluzentes moedas de ouro, facto que deixou estupefactos todos quantos presenciaram o achado, tomando as autoridades conta da ocorrência.



Tratava-se de centenas de moedas de 500 reais, raríssimas, cunhadas no reinado de D. Sebastião, com finíssimo ouro dos tributos de Quiloa, e conhecidas popularmente por 'engenhosos', alcunha do seu fabricante, João Gonçalves. Outra particularidade relaciona-se com o facto de se tratar das primeiras moedas datadas, 1562. Existem moedas da mesma época, com o valor de 500 reais, que são relativamente vulgares”, revela António Policarpo.

Na notícia lê-se ainda que os 'engenhosos' são contemporâneos de outras moedas conhecidas por S. Vicente, por apresentarem numa das faces a imagem desse santo segurando uma caravela da cidade de Lisboa na mão esquerda e na direita a palma do martírio. Em volta apresentavam uma divisa conferida pelo Papa a D. João III, avô de D. Sebastião, "Zelator Fidei  Usque Ad Mortem".

Houve ainda outras moedas conhecidas por S. Vicente no reinado do Cardeal D. Henrique e durante a regência dos cinco governadores que se lhe seguiram, mas nenhuma tão rara como os engenhosos encontrados no Alfeite.

Um tesouro ao que parece não se sabe onde estará neste momento. António Neves Policarpo explica ainda uma possível razão para que as moedas estivessem escondidas naquele lugar. “Embora consideremos impossível encontrar uma resposta para tão intrincado problema, não deixamos de considerar como plausível a possibilidade deste tesouro ter sido escondido por D. João Álvares Caminha, fidalgo da Casa Real, cuja família detinha a posse do Alfeite e que acompanhou El-Rei D. Sebastião na desgraçada jornada a Marrocos, onde ficou cativo.

Numa época em que os bancos não existiam, a segurança dos bens era fraca e a esperança de vida muito curta, é natural que uma aventura guerreira em África justificasse algumas medidas de precaução, no sentido de colocar a bom recato parte do património amealhado. Só que, por vezes, nem sempre os acontecimentos correspondiam aos planos congeminados. Terá sido essa a origem do tesouro do Alfeite? Não há provas que assim seja, razão por que nos limitamos a conjecturar”, admite o autor da notícia.