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Mudança de paradigma no IVA nas locações imobiliárias – paredes nuas ou não tão nuas assim

12 de março de 2021

Decorre do Código do IVA que as locações de imóveis são isentas de IVA. Contudo, tem sido entendimento da autoridade tributária, de já alguns anos, que sempre que o imóvel seja cedido com o equipamento necessário para desenvolvimento da atividade do locatário ou com um fit out desenhado para a atividade específica do locatário, está-se perante um contrato atípico de prestação de serviços, para efeitos de IVA, e portanto sujeito a este imposto.

Ou seja, a mera existência de equipamento ou estrutura customizada no espaço arrendado, equipamento/estrutura esse adequado e disponibilizado para o exercício de determinada atividade comercial, permitia qualificar o contrato como estando sujeito a imposto.

Estava assim subjacente à aplicação da isenção na locação de bens imóveis um conceito de “paredes nuas” comummente aceite pela autoridade tributária e jurisprudência. Apenas os imóveis despidos de quaisquer estruturas ou equipamentos preenchiam o referido conceito e qualificavam para efeitos da referida isenção (tiramos aqui da equação as situações em que o senhorio presta serviços ao locatário – p. ex. vigilância, segurança, limpeza – em que o imóvel pode ser disponibilizado paredes nuas mas a prestação consiste não só na disponibilização do espaço mas também na prestação dos referidos serviços).

Esta qualificação era relevante na medida em que a tributação da cedência deste espaço permitia a dedução do IVA incorrido, p. ex., nas obras de construção ou melhoramento do imóvel, que de outra forma não seria possível, o que representava um custo fiscal elevado.

Ora, na senda de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), a autoridade tributária, no âmbito de respostas a pedidos de informação vinculativa apresentados por sujeitos passivos, veio alterar substancialmente o entendimento acima referido e que estava já consolidado no mercado imobiliário português.

No âmbito desses pedidos apresentados pelos contribuintes, a autoridade tributária vem clarificar que a disponibilização passiva do locado – ainda que tenha equipamento ou tenha sido objeto de obras para se obter um fit-out adequado ao locatário e sua atividade – é uma operação isenta de IVA, logo não permite a dedução do IVA incorrido, p. ex. nas tais obras de fit-out.

Ou seja, aquilo que até agora se considerou que constituíam prestações de serviços passou a ter de ser objeto de um escrutínio mais cuidado e meticuloso no sentido de aferir se afinal cabe ou não no conceito de “disponibilização passiva” do locado. Deve assim, deixar de se ter como referência o conceito de meras paredes nuas, para passar a ter em consideração o tipo de intervenção efetiva que o senhorio continua ou não a ter no locado após a sua cedência ao locatário – i.e., se vai ter uma atuação ativa de prestação de um serviço, como seja o de serviços de segurança, vigilância, limpeza, manutenção, etc, não bastando o mero assegurar de que o imóvel está apto a ser utilizado, sem alterações, para o exercício de determinada atividade económica.

Resta assim saber, qual o impacto deste novo entendimento no mercado imobiliário, dado que pode representar resultados desastrosos no que respeita ao exercício do direito à dedução do IVA e aumentar consideravelmente o custo de algumas operações imobiliárias.

Por outro lado, poder-se-ia apenas pensar que de ora em diante quaisquer novas operações terão de ser analisadas e concretizadas ao abrigo deste novo entendimento.

Mas a questão que verdadeiramente se coloca é relativamente às situações que vigoram neste momento. Porque em bom rigor, o que temos é uma diferença de interpretação das normas aplicadas e não uma alteração legislativa.

Na verdade o Código do IVA apenas refere que são isentas as locações de bens imóveis. Não refere que são as locações “paredes nuas” ou as locações que são realizadas em simultâneo com a disponibilização de qualquer equipamento. Este entendimento, fortemente enraizado, resulta afinal de meras interpretações da norma, interpretações essas dinâmicas em função da realidade, também, dinâmica do mercado imobiliário.

Admite-se assim que a recente jurisprudência do TJUE tenha vindo na verdade no sentido de tentar evitar algumas situações abusivas que se poderiam verificar no âmbito das interpretações das normas em vigor.

Certo é que, ao começar a aplicar este novo entendimento, a autoridade tributária pode sentir-se legitimada a iniciar um escrutínio às situações vigentes e a procurar averiguar aquilo que possa configurar como uma mera disponibilização passiva do locado vs. paredes nuas. Afinal, estará respaldada por um entendimento jurisprudencial comunitário que dificilmente pode ser rebatido pelo sujeito passivo, uma vez que, tratando-se de um imposto de matriz comunitária, a aplicação das normas domésticas do IVA depende em grande medida da interpretação que o TJUE atribui à Diretiva do IVA e, concomitantemente, às legislações nacionais.

Resta saber o que prevalecerá, a segurança jurídica e as legítimas expectativas dos contribuintes geradas ao longo de diversos anos ou uma nova linha interpretativa do TJUE com forte impacto na aplicação das normas nacionais.

Seguindo o ditado popular “mais vale prevenir que remediar”, o melhor será repensar o passado e prevenir o futuro, pois a Revolta do IVA pode vir para destabilizar.

Joana Maldonado Reis

Advogada principal da Abreu Advogados

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico