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Opinião

 

Os contratos

15 de março de 2021

Pelo que me tem vindo a ser transmitido por vários players do sector, acredito que, na celebração dos contratos entre as agências e os consultores há, digamos assim, algum facilitismo por parte dos primeiros e alguma ingenuidade por parte dos segundos - que, na maior parte dos casos, assinam de cruz, sem perceber muitas vezes o que implica a nova relação que passou a existir entre as partes.

E, antes que me venham cruxificar porque estou, alegadamente, a bater nas agências, quero aqui dizer o seguinte: acredito que é o modelo que está errado na sua origem e não as agências ou os brokers, que acabam por aproveitar a prática corrente para colocar cláusulas e alíneas que, enquanto corre tudo bem, está tudo bem. Mas, se corre tudo mal, então vai mesmo ficar tudo mal. Explico.

Uma agência, qualquer que seja, faz, naturalmente, investimentos para colocar de pé a sua actividade: aluguer do espaço, contratação de pessoal administrativo, aposta no CRM, acesso a bases de dados, formação, marketing, site, portais, etc. Investimentos que não são baratos e, também por isso, se percebe que a agência queira salvaguardar algum deste investimento num mercado volátil como é este do imobiliário onde, para um consultor, é tão fácil entrar numa agência e igualmente fácil sair para outra, aproveitando o know how que, entretanto, adquiriu. Percebo isso tudo.

Quando afirmo que o modelo está errado na sua origem, digo-o porque as agências não contratam os consultores, mas fazem com este um acordo de parceria em que o prémio é a divisão (mais ou menos) equitativa das comissões, a troco dos serviços que o consultor presta. Ou seja, não há um ordenado fixo envolvido e o acordo prevê uma relação de respeito e confiança entre ambas as partes: o consultor compromete-se a trabalhar em exclusivo para a marca com quem celebra o contrato, partilha com esta os ganhos que possa ter, decorrente da sua actividade como consultor, e a agência, faz a aposta neste, dando-lhe acesso a material de marketing, CRM e outros para que o consultor possa desenvolver a sua actividade.

Quando é só assim, até funciona, independentemente da injustiça que é ter alguém a trabalhar para nós e não lhe pagar um ordenado. Por muito que as agências digam que investem bastante para ter um consultor (e, reforço, muitas delas fazem-no).

O problema é que as agências tentam acautelar alguns eventuais danos, impondo condições que pendem sobre o consultor, que se tornam uma realidade se este ousar ir-se embora. E, sejamos concretos, nalguns casos, roçam a ilegalidade. Acham que estou a exagerar?

Há marcas que, na despedida, pedem ao consultor para devolver um X por cada mês que o consultor esteve a trabalhar com a marca, alegando que esta verba tinha sido dada pela agência pelo consultor usar o CRM, ter o marketing, serviços jurídicos, ou outra qualquer circunstância.; há marcas que obrigam à assinatura de uma cláusula de não concorrência (até aqui tudo bem), mas estendem essa cláusula muito para lá da vigência do contrato – entre os 12 e os 24 meses - tornando esta impossível de ser cumprida para quem tem despesas ou uma família a sustentar. E, quando o consultor entra em incumprimento, porque afinal foi trabalhar para outra empresa do imobiliário, a agência pede uma indeminização de largos milhares de euros.

Há, infelizmente, inúmeros exemplos e variados casos que terminam em tribunal porque empresas e consultores não se entendem na hora do adeus. E esta acaba por ser uma luta de David contra Golias, onde, em muitos casos, a história não se repete e o desgraçado do consultor acaba por perder o seu argumento. E pagar.

Por isso, o meu conselho é apenas um: leiam bem o contrato antes de o assinar. E, se não concordarem, têm bom remédio: ou não o assinam ou tentam um regime de excepção para o vosso caso. Porque “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” (art 6º, Decreto-Lei nº 47344). Um alerta que deveria servir para ambas as partes.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário