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Estrela - Foto pDNiulj1- AO - Unsplash

Helena Roseta defende "programas permanentes" na habitação

5 de maio de 2023

A arquitecta Helena Roseta defende a existência de “programas permanentes” na área da habitação e afirma que desde o Programa Especial de Realojamento (PER), lançado em 1993, o Estado se demitiu de promover habitação pública.

“Estes saltos temporais tão grandes talvez expliquem porque é que chegamos a problemas tão graves. O Estado demitiu-se de promover habitação pública. Ao longo destes 30 anos [desde o PER], não houve [investimento no parque habitacional público]”, declarou Helena Roseta, de 75 anos, que tem um percurso profissional de mais de meio século dedicado à área da habitação, que começou antes da Revolução de 1974.

Nos quase 50 anos de democracia, Portugal teve o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), programa estatal de construção habitacional, lançado em 1974, logo após a Revolução, e, depois, o PER, para erradicar as denominadas barracas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O programa teve início em 1993 e a maioria dos realojamentos ficou concluída até 2002, mas ainda subsistem situações por resolver.


A habitação é uma necessidade permanente e não se pode resolver com programas esporádicos, tem de ter programas permanentes...” - Helena Roseta

A ex-vereadora em Lisboa e ex-presidente da Câmara de Cascais associou a ausência de novos programas públicos de habitação - desde o PER e até ao aparecimento em 2021 do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar o parque habitacional - com a ‘moda’ lançada na década de 1990 por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América.


helena Roseta: uma vida dedicada à habitação.


Um modelo “político-ideológico”

A ideia, descreveu, era que “o Estado não tem de estar a fazer casas para as pessoas, as pessoas é que têm de se organizar e, portanto, as casas públicas que existem são para vender e o Estado deve retirar-se e acudir só às situações mais problemáticas”.

A esse modelo político-ideológico juntou-se a crise da austeridade, a partir de 2008, sem dinheiro público para investir na habitação, tendo existido, depois do lançamento do PER, “umas politicazinhas pelo meio - Porta 65 Jovem [apoio ao arrendamento] e juros bonificados [apoio à compra de casa] -, mas programas para construir habitação não houve mais nenhum”.

“O problema da habitação é velho, mas temos problemas novos. A única conclusão que tiro disto tudo é que a habitação é uma necessidade permanente e não se pode resolver com programas esporádicos, tem de ter aqui programas permanentes”, afirmou a arquitecta, em declarações à agência Lusa.

Autora do primeiro projecto para a Lei de Bases da Habitação, em vigor desde Outubro de 2019, a também ex-deputada disse que não se pode comparar as carências habitacionais em 1993 com a actual crise habitacional, porque “os tempos são diferentes e os problemas são diferentes”.

“Esta crise o que tem de angustiante é que está a atingir sobretudo as últimas pessoas a chegar, ou seja, os migrantes e os jovens, e alguns que foram apanhados pela alteração da questão das rendas e pela austeridade, mas está a atingir as novas gerações e isso é uma novidade. Estas novas gerações são mais qualificadas […] e estão a ter dificuldades imensas para encontrar soluções habitacionais. Isso não acontecia há 20 anos ou há 30 anos”, expôs.

O aumento dos preços da habitação é o principal factor, indicou a arquitecta, referindo que tudo se alterou com a globalização, com a entrada de mercados financeiros globais em Portugal, que têm originado desigualdades: “Um país pequeno, de população que ganha pouco, a confrontar-se com o mundo todo e de gente com muito dinheiro, deu o desequilíbrio que se está a ver.”

Sobre o aparecimento de novas barracas, Helena Roseta referiu que “o problema continua a existir”, sobretudo com a entrada de migrantes no país, que continuam a chegar e não têm para onde ir, pelo que “constroem uma barraquinha nalgum sítio”.

Sem dispor de dados concretos, a arquitecta sugeriu que o Instituto Nacional de Estatística deve fazer esse levantamento todos os anos e não de 10 em 10 anos.


Entendimento político-partidário

Em 2018, o Governo aprovou um sucessor do PER, o 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, que dispõe hoje de verbas comunitários do PRR, com um investimento de 1.211 milhões de euros para dar resposta a pelo menos 26.000 famílias até 2026.

Na perspectiva de Helena Roseta, o PRR é uma oportunidade que tem de ser aproveitada, porque a disponibilização de verbas públicas nesta dimensão “não se imagina que seja repetível”, pelo menos tão cedo.

Relativamente ao programa do Governo Mais Habitação, com medidas que ainda aguardam votação pelo parlamento, considerou que se trata de “uma grande reforma fiscal do imobiliário”, com subvenções e com alterações à lei das rendas.

“Se calhar era preferível, do meu ponto de vista, ter apresentado uma nova lei das rendas no parlamento, mas pronto, enfiaram estas alterações legais todas dentro de um diploma que vai a todas. É mais difícil depois de cumprir e de executar, mas as medidas não estão erradas. Algumas estão a ser mal-aceites, podem não se conseguir cumprir”, apontou.

Referindo que o Mais Habitação promoveu “um enorme debate na opinião pública” sobre a crise habitacional e permitiu ver que “não se pode adiar mais” a implementação de medidas, Helena Roseta manifestou-se a favor do arrendamento coercivo de imóveis devolutos, proposta que sugeriu na Lei de Bases, mas que não foi aceite. Agora, muitos municípios já avisaram que não estão disponíveis para executar essa medida.

“É um recurso que pode ser utilizado, mas antes disso é preferível negociar compras [de imóveis], negociar acordos [com proprietários]”, ressalvou.

Outra das dificuldades, considerou, é o entendimento político-partidário, já que existe hoje “extrema polarização e até radicalização” das opiniões políticas, porque não conseguem “distinguir o essencial do acessório”.

Lusa/DI