Destralhar

Recentemente, falei-vos aqui sobre as dificuldades que temos em mudar de casa e porque é que, à medida que a idade avança, torna-se cada vez mais difícil fazê-lo embora, racionalmente, deveria ser esse o passo lógico a ser feito. Até porque, em muitos casos, os filhos já não estão connosco e damos por nós a viver numa casa sobredimensionada para as nossas necessidades.

Embora ainda não esteja na idade para passar por isso, tenho para mim que uma das coisas que pode ajudar na tomada de decisão futura será a quantidade de lastro que temos agarrado a nós. E quando digo lastro, refiro-me à quantidade de cangalhada, bric-à-brac, roupas, material diverso de cozinha de jardim ou de ferramentas, que acumulamos ao longo de anos e que insistimos em ir guardando porque nunca sabemos se um dia vamos utilizar.

Até hoje, só mudei de casa duas vezes e em ambas dei por mim a rogar pragas de diversa ordem sobre a quantidade de lixo que reunimos. E quantas vezes só porque sim.

Eu sei que não é fácil e quando olhamos para tudo o que fomos juntando à nossa volta ficamos endoidecidos. Principalmente quando nos mudamos para uma casa maior. Parece que temos horror ao vazio e só ficamos felizes quando preenchemos aquela parede ou aquelas prateleiras.

Para contrariar esta tendência, tenho, nos últimos meses, praticado a arte de destralhar. E confesso-vos que é, acima de tudo, libertador. Deixo aqui algumas dicas para quem tem essa vontade, mas não sabe por onde começar: escolham algo que sabem que não vos vai fazer falta, normalmente aquelas coisas que estão há anos na arrecadação ou na garagem e que nunca mais ninguém lhes mexeu. Sigam para as revistas, jornais, livros e seleccionem bem o que pode ficar e o que podem dar. Há tanta gente que precisa de livros e não tem. De seguida, passem, por exemplo, para os telemóveis. Pensem comigo: de certeza que ainda precisam daquele velho Nokia ou do Blackberry?

Por fim, calçado e a roupa. Pessoalmente, institui uma regra que passa pela simplificação lógica de um princípio: se não se usa há dois anos (ou se já não serve) é tempo de seguir em frente. E dar a quem precisa.

Tenho, actualmente, uma casa mais leve e com mais espaço. A tentação de preencher ainda está em mim, mas quero acreditar que vou conseguir, aos poucos, equilibrar o lugar onde vivo em função de reais necessidades e não impulsos consumistas.

E se daqui a uns anos, o cenário da mudança de casa tiver de acontecer, terei o conforto de ir certamente mais liberto e com a satisfação de, pelo caminho, ter ajudado quem mais precisava.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).