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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Bom senso na lei dos AL

19 de agosto de 2024

O decreto-lei que vai mexer (e corrigir) os erros grosseiros do diploma Mais Habitação aprovado pelo anterior Governo está ainda sujeito a pareceres das regiões autónomas dos Açores e da Madeira e da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Mas tudo indica que, sendo promulgado, irá repor algumas situações de injustiças que o Mais Habitação tinha criado, nomeadamente na questão dos Alojamentos Locais (AL).

E corrige uma injustiça de base e que diz respeito aos investidores privados que, em muitos casos, se substituíram ao Estado e às Autarquias no seu papel de reabilitar edificado degradado. Tenho ideia que isto foi algo que se passou um pouco por todo o País, embora, naturalmente, os seus efeitos se tenham sentido de forma mais visível em cidades como Lisboa e o Porto. E, não é preciso recuarmos muito no tempo para nos lembrarmos o que era a zona da baixa destas duas cidades: prédios degradados traziam mais sensação de insegurança e com esta, potenciava-se a ideia de um aumento de criminalidade que podia ou não ser real e concreto.

Durante anos, as Autarquias deixaram os privados intervir, melhorando o edificado nestas zonas. Muitos fizeram-no por oportunidade e passaram a ter habitação própria que hoje vale muito mais do que aquilo que investiram. Outros usaram estes recursos para fazerem Alojamento Local. E no início estava tudo bem, porque os edifícios foram reabilitados, as cidades começaram a ter melhor aspeto e toda a gente estava feliz. O boom do turismo fez com que, de repente, Portugal ficasse na moda e as Autarquias lançaram-se numa autorização desenfreada de Alojamentos Locais que, beneficiando os investidores, criaram, nalguns casos, algumas situações de mal-estar. Porque era diferente ter todo um prédio em AL do que ter apenas algumas frações do mesmo prédio, com o corrupio de entradas e saídas de hóspedes a mexer com as rotinas e as dinâmicas dos moradores habituais.

E porque Portugal também é infelizmente isto, juntou-se a fome com a vontade de comer, nomeadamente, na reclamação fácil de que aquele proprietário do AL estava a fazer imenso dinheiro à conta dos turistas e com as invejas inerentes. Porque, como sabemos, aqui no nosso País, é mais fácil desejar que o dono do Ferrari se espete na primeira curva do que ambicionar trabalhar para um dia poder ter também um. Ou vários.

A falta de memória das instituições e a circunstância de termos tido um governo de esquerda durante oito anos (metade dos quais condicionado pela extrema-esquerda) fizeram o resto e levaram a que se tentasse criar regras altamente penalizadoras para quem, anos antes, investiu o que tinha e o que não tinha (e deu emprego a inúmeros profissionais) para criar os AL. O Mais Habitação, de má memória, tinha injustiças gravíssimas que, pelo que podemos agora ver pelas medidas aprovadas por este Executivo, acabam por repor alguma justiça. Acaba-se, por exemplo, com a possibilidade de serem os condóminos a poderem decidir que um AL no prédio encerre a sua atividade (desde que tenham a maioria de 2/3), passando esta decisão a voltar a estar nas mãos das Autarquias que o poderão fazer tendo em conta motivos fundamentados pelos queixosos. O diploma prevê igualmente como possível a criação de um Provedor do AL, que irá fazer a ponte entre os queixosos e os donos destes espaços.

O decreto-lei ainda não foi promulgado, mas neste diploma, ao contrário do anterior, nada parece existir que possa constituir algo polémico que possa por em causa direitos e deveres de todas as partes. No fundo, uma medida que volta a trazer algum bom-senso que foi algo que, manifestamente, não aconteceu na criação do Mais Habitação.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico