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A APFIPP e o Programa “Mais Habitação”

24 de março de 2023

A APFIPP – Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios é a representante das Gestoras de Organismos de Investimento Imobiliário (OII) e das Gestoras de Fundos de Pensões, dois dos principais instrumentos de investimento no mercado imobiliário nacional, pelo que tem um óbvio interesse em todos os aspectos que possam influenciar este mercado e, sobretudo, o segmento do mercado de arrendamento. Daí, naturalmmente, que seja importante refletir sobre a sua posição. Eis o memorando que a associação enviou ao Governo:

Os OII são veículos de investimento colectivos que recolhem as poupanças de um conjunto vasto de investidores (mais de 110.000, em Setembro de 2002), aplicando-as no mercado imobiliário, predominantemente em Portugal. Deve ser referido que muitos destes investidores são pequenos aforradores que aplicam as suas poupanças para, desta forma, poderem aceder aos rendimentos proporcionados pelo mercado imobiliário, o que de outra forma não conseguiriam fazer, atendendo aos montantes que são geralmente exigidos a quem opta pelo investimento directo.

No final de 2022, os OII detinham, directamente, um património imobiliário de 13,7 mil milhões de euros, a que acrescem mais 0,2 mil milhões de euros de investimento indirecto, através de participações em sociedades imobiliárias, sendo que mais de 98% dos imóveis em causa se encontram localizados em Portugal.

Os Fundos de Pensões, por seu lado, são instrumentos de investimento de muito longo prazo que financiam planos de pensões, individuais e colectivos (empresas) com o objectivo de proporcionar aos seus participantes uma remuneração adicional na reforma, permitindo mitigar a perda de rendimento expectável no momento da substituição de um salário por uma pensão de reforma. Devido à duração longa das responsabilidades assumidas, já que os benefícios só serão pagos após a passagem à reforma dos seus participantes, uma parte significativa do património é investida em activos com um vasto horizonte de investimento, designadamente, no imobiliário. Em Dezembro de 2022, os Fundos de Pensões portugueses detinham 1,9 mil milhões de euros em imóveis, a que acrescem cerca de 0,8 mil milhões de euros através de OII.

Apesar dos montantes referidos, o segmento habitacional não tem tido, tradicionalmente, uma relevância significativa na composição da carteira dos OII, salvo no caso de alguns OII que se dedicam à promoção imobiliária, construindo para posterior venda. No mercado de arrendamento habitacional, os dados de que esta Associação dispõe indicam que menos de 1% do património imobiliário detido pelos OII corresponde a imóveis habitacionais arrendados. Os mesmos dados indicam mais 1,7% em imóveis habitacionais não arrendados (construção concluída), mas que são, essencialmente, imóveis que se encontram em fase de venda.

De facto, os OII tendem a ter uma maior exposição ao segmento dos imóveis destinados aos sectores do comércio e serviços. Não temos acesso a informação com o mesmo nível de detalhe para os Fundos de Pensões, mas temos motivos para crer que a situação não será substancialmente diferente.

Os OII e o mercado de arrendamento habitacional

Como referido atrás, quer os OII, quer os Fundos de Pensões, têm como objectivo proporcionar um retorno adequado para os seus investidores (OII) e participantes (Fundos de Pensões), pelo que os activos são seleccionados para integrar os respectivos portfólios em função do seu perfil de retorno e de risco.

Fruto de diversos condicionalismos históricos que, em muitos casos, ainda se mantêm, o segmento do arrendamento habitacional continua a ser percepcionado como um segmento com um maior nível de risco, dada a protecção acrescida que é concedida aos inquilinos, em prejuízo dos senhorios, risco esse que, na maioria dos casos, não é possível mitigar ou eliminar, além de que o retorno proporcionado é considerado insuficiente face ao risco incorrido / percepcionado, sobretudo quando comparado com o do arrendamento não habitacional.

Por outro lado, não pode ser esquecido que os activos seleccionados para a carteira dos OII (e dos Fundos de Pensões) são balizados pela política de investimentos que consta dos respectivos documentos constitutivos. Do mesmo modo, é necessário ter em conta que a disponibilidade dos OII para investir no mercado de arrendamento (habitacional ou não habitacional) depende da capacidade de captar as poupanças dos investidores. Se estes percepcionam que a política de investimentos seguida, implica uma assunção de riscos mais elevada e/ou um menor retorno esperado, tenderão a optar por outras aplicações.

Assim, para que os OII possam ter uma maior exposição ao mercado de arrendamento habitacional é necessário, em primeiro lugar, garantir uma relação retorno / risco esperados que permita gerar o interesse dos investidores e captar as suas aplicações, o que não tem sucedido.


O caso dos Fundos de Investimento Imobiliário para o Arrendamento Habitacional (FIIAH) e das Sociedades de Investimento Imobiliário para o Arrendamento Habitacional (SIIAH)

No que respeita ao investimento dos OII no arrendamento habitacional, a APFIPP gostaria de recordar o caso dos FIIAH e das SIIAH, cujo regime foi aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Procurando dar resposta a um conjunto de dificuldades que se verificavam no segmento habitacional, foi criado um regime, com fortes incentivos fiscais, que visava uma maior intervenção dos OII neste mercado.

Muito embora os resultados possam ter ficado aquém do que seria expectável e desejado, é um facto que estes OII chegaram a ter perto de 1.000 milhões de euros em imóveis habitacionais, e que a sua percentagem de imóveis arrendados, sobretudo a partir de 2015, foi sempre superior a 50%.

Ainda assim, e apesar dos apelos da indústria para a manutenção do regime, este chegou ao fim em Dezembro de 2020, quando estes OII ainda detinham quase 450 milhões em imóveis, dos quais mais de 360 milhões se encontravam arrendados (cerca de 81%).

Sem prejuízo de eventuais ajustamentos que devam ser introduzidos, a relevância que estes instrumentos assumiram, demonstra a importância de um regime fiscal favorável para a captação de poupança e a sua canalização para o mercado do arrendamento habitacional através de OII.


Os OII e o Programa de Arrendamento Acessível (PAA)

O Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de Maio, criou o Programa de Arrendamento Acessível, “um programa de política de habitação, de adesão voluntária, que visa promover uma oferta alargada de habitação para arrendamento a preços reduzidos, a disponibilizar de acordo com uma taxa de esforço compatível com os rendimentos dos agregados familiares”.

O PAA pressupõe limites máximos para o preço da renda, menores do que o preço de referência no mercado, prevendo, para o efeito, a isenção de tributação sobre os rendimentos prediais decorrentes dos contratos enquadrados no mesmo, mediante a verificação do cumprimento das condições aí previstas.

Sucede, porém, que, como já transmitido ao Governo, os OII que eventualmente celebrem contratos de arrendamento abrangidos pelo PAA não usufruem dos incentivos fiscais correspondentes. De facto, o regime de tributação dos OIC, plasmado nos artigos 22.º e 22.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pressupõe uma isenção de tributação da generalidade dos rendimentos gerados obtidos pelos OII, os quais são, posteriormente, taxados, no momento do seu pagamento aos respectivos participantes, seja na distribuição de rendimentos ou no reembolso ou resgate das participações. Assim, os Participantes dos OII, estão impedidos de beneficiar da isenção prevista para os rendimentos decorrentes de contratos abrangidos pelo PAA, contrariamente ao que sucederia se fossem os detentores directos dos imóveis arrendados.

É certo que o problema está identificado e que o Governo pretende dar resposta ao mesmo, conforme inscrito na Medida 7 dos “Eixos de intervenção previstos no PNH” contidos na Proposta de Lei n.º 46/XV, que estabelece os objectivos, prioridades, programas e medidas da política nacional de habitação para o período temporal 2022-2026.

Ainda assim, entende-se relevante referir esta situação como um alerta para que, na implementação de medidas de incentivo ao arrendamento habitacional, se tenham em devida consideração as especificidades e particularidades dos OII (mas também dos Fundos de Pensões) de modo a assegurar que estes instrumentos possam, efectivamente, vir a ter um papel relevante na resolução dos problemas actuais.


Consulta Pública “Mais Habitação”


a) Prazo de Consulta

O tema da habitação e da dificuldade de acesso à habitação pelas famílias portuguesas é um tema estrutural e fundamental para a Sociedade portuguesa, cuja resolução requer a adopção de medidas que sejam devidamente ponderadas, de modo a que possam perdurar no futuro, assegurando a necessária estabilidade jurídica, fundamental para os investidores, ainda mais no que se refere ao mercado imobiliário, em que o horizonte de investimento é mais longo.

Deste modo, e apesar do alargamento do prazo inicial da consulta, considera-se que as medidas agora propostas deveriam ter sido objecto de uma discussão pública mais alargada no tempo, que permitisse identificar as melhores soluções para o problema da habitação, em Portugal.


b) Apreciação genérica

O Programa apresentado pelo Governo tem pontos positivos e pontos negativos, sendo estes últimos desenvolvidos em maior detalhe nas alíneas seguintes.

Pela positiva, destacam-se a procura de aumento da oferta de imóveis para habitação e da sua disponibilização no mercado de arrendamento, bem como a simplificação de processos de licenciamento.

Considera-se, igualmente, positivo, o reconhecimento da importância da vertente fiscal para a resolução do problema, de que é exemplo a redução das taxas de tributação dos rendimentos prediais, em sede de IRS.

Pela negativa, identificam-se, principalmente, o que se considera um atentado à propriedade privada e o que parece ser um incentivo perverso ao não cumprimento do pagamento atempado da renda pelos inquilinos.

Merece, igualmente, reparo, o facto da proposta apresentada pelo Governo não fazer qualquer referência aos imóveis devolutos que são propriedade do Estado, e que poderiam ser reabilitados e convertidos em imóveis habitacionais vindo, posteriormente, a ser colocados no mercado de arrendamento.

Por fim, não pode deixar de ser notada a ausência de qualquer referência ao papel que pode ser desempenhado pelos OII para a resolução do problema. Pelo contrário, e tal como já havia acontecido relativamente aos contratos no âmbito do PAA, referido anteriormente, os Participantes dos OII, que sejam sujeitos passivos de IRS, passam a estar em desvantagem relativamente à situação de investimento directo, na medida em que, ainda que o OII invista todo o património em imóveis habitacionais, colocados no mercado de arrendamento, os respectivos rendimentos permanecerão sujeitos à taxa de 28%, aquando da sua transferência para a titularidade dos respectivos Participantes, o que é superior aos 25% que passa a ser a taxa de tributação máxima dos rendimentos prediais (salvo opção pelo englobamento).


c) Medida 1 – Aumentar a oferta de imóveis para habitação

A APFIPP concorda com a avaliação do Governo de que o problema da habitação, em Portugal, decorre, em primeira instância, da falta de imóveis para habitação e, como tal, considera adequado que se tomem medidas para aumentar a oferta desse tipo de imóveis.

Nesse âmbito, e em alternativa ou, pelo menos, em complemento às propostas apresentadas pelo Governo, esta Associação considera fundamentais as seguintes iniciativas:

1. Instituir um regime de isenção de IVA para a construção, para a reabilitação e/ou para a reconversão de imóveis para habitação, desde que:

a) Os imóveis sejam objecto da celebração de um contrato de arrendamento no prazo de 12 meses a contar da atribuição da licença de utilização e/ou da conclusão das obras;

b) Os imóveis permaneçam no mercado de arrendamento por um período mínimo de 10 anos.

2. A isenção de tributação de mais-valias previstas no novo n.º 14 do artigo 44.º do EBF (artigo 19.º da Proposta de Lei) deverá ser, igualmente, extensível à alienação de imóveis para habitação, sempre que o comprador assuma o compromisso de colocar o imóvel no mercado de arrendamento, sujeito às seguintes condições:

a) O imóvel deverá ser objecto da celebração de um contrato de arrendamento no prazo de 12 meses a contar da compra, ou da conclusão das obras de remodelação / restauro que seja necessário efectuar para que o imóvel possa ser arrendado;

b) O imóvel deverá permanecer no mercado de arrendamento por um período mínimo de 10 anos;

c) Caso não sejam cumpridos os requisitos anteriores, é devido o imposto sobre as mais-valias obtidas na alienação onerosa inicial, que deverá ser suportado pelo comprador.

3. Instituir uma isenção de tributação para os rendimentos decorrentes de participações em OII que invistam, em permanência, pelo menos 10% do património em imóveis para habitação e que se encontrem no mercado de arrendamento. Esta isenção fomentaria a procura por OII com estas características e, por esta via, a disponibilização de mais imóveis para arrendamento habitacional.

4. Criação de um Portal de Imóveis Devolutos (PID), onde seriam identificados, pelo menos, 50% de todos os imóveis devolutos detidos pelo Estado. A inventariação desses imóveis deveria ser realizada num prazo de 12 meses. Os imóveis inscritos no PID ficariam disponíveis para serem adquiridos ou arrendados por privados, desde que fossem imóveis para habitação ou requalificados para tal fim, e utilizados para habitação própria e permanente do comprador, ou colocados no mercado de arrendamento.

Numa segunda fase, poder-se-ia ponderar a inclusão, no PID, de imóveis devolutos que sejam detidos por proprietários privados.

Crê-se que, com as sugestões acima apresentadas será possível aumentar, num espaço de tempo relativamente curto, a oferta de imóveis para habitação, bem como a oferta de imóveis no mercado do arrendamento habitacional.

No que respeita às propostas apresentadas, neste âmbito, pelo Governo, a APFIPP tem as seguintes observações:

a) A possibilidade de conversão do uso de imóveis de comércio ou de serviços em uso habitacional, mediante o recurso à figura do regime procedimental simplificado, previsto no artigo 123.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, deverá ser devidamente ponderada, sobretudo se essa conversão colocar em causa os princípios subjacentes à definição da localização e distribuição das actividades económicas, descritos no artigo 19.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).

Adicionalmente, é necessário levar em conta as redes de transportes e mobilidade existentes (artigo 20.º do RJIGT), bem como as redes de infraestruturas e equipamentos colectivos (artigo 21.º do RJIGT), que podem não estar ajustadas à existência de imóveis habitacionais em locais que foram pensados para comércio e serviços (por exemplo um retail park) e que, por esse motivo poderão ter impactos futuros inesperados e potencialmente mais graves / onerosos.

Ainda que sejam acauteladas todas as disposições previstas no RJIGT, crê-se que a imposição de que o imóvel convertido tenha a finalidade de habitação pública ou de custos controlados compromete, por um lado, a própria conversão, na medida em que os imóveis a converter não reúnam as condições para ter como finalidade a habitação de custos controlados e, por outro, a viabilidade económica dessa conversão, pelo que se sugere a extensão desta possibilidade a todas as formas de arrendamento habitacional, bem como à utilização para habitação própria e permanente do seu proprietário.

b) No que respeita à disponibilização de imóveis do Estado em regime de CDH, constata-se que, aparentemente, os OII não podem aceder a este regime (cfr. Artigo 2.º do Anexo III da Proposta de Lei).

Ainda que seja alargado o âmbito de entidades beneficiárias aos OII, e na medida em que os imóveis se resumem aos que correspondam a habitação a custos controlados para arrendamento acessível, para que estes Organismos possam, efectivamente, actuar neste segmento, será necessário resolver os constrangimentos anteriormente relatados a respeito do acesso, pelos Participantes, às vantagens fiscais previstas para os rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento abrangidos por PAA.


d) Medida 2 – Simplificar os processos de licenciamento

A simplificação dos processos de licenciamento é uma iniciativa que se saúda.

Vários projectos imobiliários, incluindo projectos de construção de imóveis para habitação, demoram vários meses até obterem os licenciamentos necessários à construção, implicando custos acrescidos para os promotores e, dessa forma, comprometendo a viabilidade económica desses projectos.

A dispensa de apreciação prévia, com base nas declarações de responsabilidade dos autores dos projectos de arquitectura, bem como dos autores dos projectos das especialidades, é algo que, já hoje se encontra previsto no n.º 8 do artigo 20.º do RJUE, não constituindo, assim, uma completa novidade.

As situações onde se registam maiores atrasos nos processos de licenciamento surgem sempre que são efectuadas consultas pelos municípios a entidades externas, pelo que deverá ser nesses processos que se deverá actuar, com vista a assegurar uma maior celeridade no licenciamento.

De modo a garantir que o novo edificado não é desconforme com a envolvente, sugere-se que os municípios validem, previamente à aprovação, a conformidade do projecto de arquitectura.

Do mesmo modo, é necessário assegurar transparência e assertividade quanto aos requisitos a cumprir. Se tal não suceder, o regime de simplificação de licenciamento não terá os efeitos esperados, pois nem os autores dos projectos, nem os promotores e construtores, assumirão os riscos de avançar com uma obra sem a devida autorização prévia pelos municípios.

No que respeita à imposição de juros de mora, é outra iniciativa que se considera positiva, mas que poderá não ter qualquer impacto se os municípios e as entidades externas envolvidas tiverem discricionariedade para recorrer a mecanismos de interrupção dos prazos.

Quanto ao seu pagamento, parece que, uma vez mais, não foi contemplada a situação de promotores que estejam isentos de IRC, como é o caso dos OII ou mesmo dos Fundos de Pensões, pelo que se questiona como será feito o pagamento a estas entidades, quando os juros de mora ultrapassarem o valor das taxas a pagar.

Ainda nesta matéria, importa clarificar se a medida se aplica, igualmente, a projectos de licenciamento que tenham sido iniciados (e ainda não concluídos) à data de entrada em vigor do diploma.


e) Medida 3 – Aumentar casas no mercado de arrendamento

A criação do Regime de arrendamento para subarrendamento, sendo de adesão voluntária pelos proprietários privados, entende-se como positiva e potencialmente capaz de atrair o interesse de proprietários de imóveis que possam ser arrendados.

A eliminação do risco de não recebimento das rendas, aliado à isenção de tributação dos rendimentos prediais obtidos, poderá ter o efeito desejado de aumentar a oferta de casas no mercado de arrendamento.

Teme-se, contudo, caso exista uma forte adesão dos privados, que nem o IHRU, I.P., nem a Estamo tenham capacidade de gerir um elevado número de contratos de arrendamento, bem como os concursos com vista ao subarrendamento e posterior gestão dos contratos de subarrendamento.

Desse modo, crê-se que a gestão desses contratos deverá poder ser feita por privados, designadamente pelas entidades gestoras de OII, dada a larga experiência e conhecimentos que têm neste tipo de funções. Para o efeito, o IHRU seleccionaria a(s) Entidade(s) Gestora(s) que ficaria(m) responsável(is) pela gestão dos contratos e suportaria os encargos relativos à remuneração dessa função.

A garantia de pagamento das rendas, pelo Estado, nos casos de rendas em atraso, motivadas por situações de carência de meios, é algo que se entende como positivo, na medida em que a função de apoio social passa a ser assegurada pelo Estado, como é suposto, e não pelos Senhorios, como sucede actualmente.

Já relativamente a outras situações de não pagamento das rendas, a garantia de pagamento, pelo Estado, embora positiva para os Senhorios envolvidos, é tendencialmente nociva por poder ser entendida, pelos arrendatários, como um incentivo ao incumprimento, pelo que essas situações deverão ser resolvidas com celeridade, designadamente com a desocupação do locado pelo arrendatário.

Importa, igualmente, assegurar a celeridade do processo e que a garantia possa ser prontamente accionada e recebido, sem demora, o valor das rendas que se vençam após o prazo de oposição.

Em alternativa, ou em complemento a esta iniciativa, e à semelhança do que chegou a ser ponderado no âmbito da PAA, poderá ser reflectida a criação de um regime de seguros de rendas com garantia do Estado, semelhante ao que existe noutros sectores de actividade (por exemplo no das exportações). Hoje em dia, apesar de existirem seguros de renda, estes têm um custo elevado, e, por isso, raramente são subscritos. A garantia do Estado permitiria uma redução do seu custo e, dessa forma, uma maior adesão por Senhorios e Arrendatários, o que desonerava o Estado das obrigações decorrentes da solução agora proposta.

A isenção de tributação de mais valias na alienação de imóveis ao Estado deverá, salvo melhor opinião, ser estendida às situações de alienação a outras entidades, desde que exista o compromisso do comprador em colocar o imóvel no mercado de arrendamento.

Crê-se, aliás, que essa solução terá maior probabilidade de atingir os objectivos pretendidos, ou seja, de aumentar a oferta de casas no mercado de arrendamento, do que a compra pelo Estado ou pelas autarquias locais. Com efeito, é sabido que o Estado e as autarquias são proprietários de um vasto património imobiliário, que se encontra desocupado, sem que lhe seja dado qualquer uso habitacional, pelo que se teme que o único efeito da medida seja o engrossar desse já vasto património imobiliário desocupado.

Assumindo, ainda assim, que o Estado e as autarquias locais teriam capacidade para colocar imediatamente no mercado de arrendamento esses imóveis adquiridos, questiona-se sobre qual será o valor a que se procederá a transacção. Será por livre acordo entre as partes, atendendo aos valores praticados no mercado? Ou será fixado administrativamente, por exemplo em função do VPT?

Ainda neste âmbito, questiona-se o motivo por semelhante isenção não ser concedida no caso de património imobiliário que seja detido por pessoas colectivas e, caso venha a ser estabelecido esse regime para sujeitos passivos de IRC, importa, uma vez mais, atender às especificidades das entidades isentas, como são os OII ou os Fundos de Pensões, em que a tributação ocorre na esfera dos respectivos titulares das suas participações.

Sobre as alterações ao regime do Alojamento Local, não sendo um segmento de actuação por parte dos instrumentos financeiros representados pela APFIPP, reconhece-se como tendo um impacto potencialmente positivo o incentivo fiscal à transição voluntária do regime de AL para o arrendamento.

Convém, contudo, ter em conta a importância que o AL teve para a revitalização do turismo e das cidades, em Portugal, contribuindo para a renovação de espaços urbanos que estavam degradados e que, muito provavelmente, permaneceriam nessa situação, se não tivesse surgido o AL. Acresce, ainda, que, muitas vezes, os imóveis utilizados no AL são localizados em zonas turísticas, como centros históricos apenas com zonas pedonais e, por esse motivo, menos adequados à sua conversão em habitação permanente.

O AL continua a ter um peso muito significativo no turismo e, consequentemente, na economia, pelo que quaisquer medidas que incidam sobre este segmento, deverão ser cuidadosamente reflectidas e precedidas de estudos de impacto económico.

o alargamento da figura do arrendamento forçado a todas as situações de imóveis devolutos merece o maior repúdio por parte da APIPP, pelo atentado que constitui ao direito de propriedade.

Somos favoráveis ao regime de arrendamento para subarrendamento voluntário, como referido anteriormente e entendemos que deve ser pela via fiscal, com incentivos e penalizações que se devem procurar atrair os proprietários dos imóveis devolutos para o mercado de arrendamento.

Muitos dos imóveis devolutos não têm, presentemente, condições de habitabilidade, nem os seus proprietários têm, em grande parte das situações, condições financeiras para proceder ao restauro dos imóveis, de modo a ficarem em condições de serem arrendados. Embora esteja prevista a realização coerciva de obras de restauro, pelas autarquias, sendo o ressarcimento realizado por conta das rendas devidas futuras, teme-se que, em muitos casos, a realização dessas obras possa não ser financeiramente viável, seja para as autarquias / Estado, seja para os proprietários.

No que respeita, ainda, à colocação forçada, pelo Estado / autarquias, de imóveis devolutos que sejam de propriedade privada, no mercado de arrendamento, questiona-se sobre a capacidade, para não falar da legitimidade, de instituir tal procedimento, quando o mesmo Estado / autarquias não o faz relativamente ao património imobiliário devoluto que detém.

Entende-se que seria preferível o Estado actuar pelo exemplo, procedendo à inventariação dos imóveis devolutos por si detidos, à reabilitação e conversão dos imóveis que tenham ou possam ter uso habitacional e, posteriormente, à sua colocação no mercado de arrendamento.

Relativamente aos incentivos fiscais ao arrendamento acessível, os que agora são propostos não diferem significativamente dos que se encontram, já hoje, plasmados no PAA. Atendendo à menor remuneração do investimento, por via das rendas decorrentes dos contratos abrangidos por PAA, defende-se que esses incentivos deveriam ser reforçados, por exemplo, com a isenção completa de IVA na construção ou reabilitação de imóveis maioritariamente afectos ao PAA.

Adicionalmente, reitera-se a importância de assegurar que os incentivos, designadamente em sede de tributação de IRS e de IRC sejam passíveis de ser usufruídos pelos detentores de participações em OII que desenvolvam este tipo de projectos.

Quanto à linha de financiamento bonificado, entende-se relevante explicitar quais as entidades que poderão fazer uso da mesma e assegurar que os OII são, igualmente elegíveis.


f) Medida 4 – Combater a Especulação


Fim dos vistos gold

A autorização de residência para actividade de investimento prevista no artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, foi fundamental para a captação de investimento estrangeiro que se revelou muito determinante para ultrapassar a grave crise económica que o país atravessou na década passada, quando as fontes de financiamento para a economia portuguesa e para os seus agentes económicos era bastante diminuta.

A situação melhorou bastante, mas o investimento estrangeiro continua a ser um factor essencial de desenvolvimento económico, e não apenas em Portugal.

Atendendo à situação do mercado imobiliário, pode compreender-se a opção pelo fim dos vistos atribuídos por motivo da aquisição de imóveis para uso próprio.

Considera-se, contudo que as restantes actividades de investimento, previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, deverão continuar a dar direito à concessão da autorização de residência.

Acresce que, num momento em que se pretende aumentar a oferta de casas no mercado de arrendamento, prever a concessão de vistos gold para pessoas que invistam na construção ou reabilitação de imóveis destinados ao mercado de arrendamento, poderá contribuir para o objectivo pretendido.

Por último, considera-se que deverá permanecer a possibilidade de renovação da autorização de residência, sempre que se continuem a verificar as condições que determinaram a atribuição inicial.

De facto, poderá ser contraproducente para a economia portuguesa a não renovação da autorização de residência, por exemplo, quando a mesma foi motivada pela criação de, pelo menos 10 postos de trabalho, ou pela criação ou reforço de capital de uma sociedade comercial, situação que aparentemente não é salvaguardada e que poderá pôr em causa os postos de trabalho que foram criados através deste investimento.

A não renovação dos vistos concedidos contribui, ainda, para prejudicar a confiança e para afastar potenciais investidores estrangeiros, criando dificuldades acrescidas no financiamento ao desenvolvimento do tecido empresarial, factor determinante para o progresso económico e social.

Deverá, portanto, ser efectuado um estudo de avaliação do impacto da medida, que preceda e sustente a sua implementação.


Garantia da renda justa em novos contratos

A limitação do valor da renda em novos contratos de arrendamento, consubstanciada no artigo 13.º da Proposta de Lei, restringe, desproporcionadamente, o direito do proprietário de definir o valor da renda dos novos contratos e, desse modo, o rendimento que retira dessa propriedade, constituindo, assim, um atentado à propriedade privada.

O valor da inflação que se regista actualmente é muito superior ao coeficiente indicado no n.º 1, não sendo expectável, de acordo com as previsões de diversas entidades, nacionais e supranacionais, que esse indicador regresse rapidamente para valores próximos do referencial de 2% que é fixado.

Do mesmo modo, não são acauteladas situações em que, por qualquer motivo, no contrato imediatamente anterior, o Senhorio tenha decidido cobrar uma renda inferior. De facto, Senhorios cujo contrato anterior fosse um contrato com uma duração mais longa e, portanto, eventualmente com uma renda menor, serão, à partida prejudicados, face a proprietários que tenham privilegiado contratos com duração mais curta, que terão, em princípio, valores de renda superiores.

Aliás, a possibilidade de aplicar o coeficiente, a cada novo contrato, desde que em anos diferentes, acaba por funcionar como um incentivo à celebração de contratos mais curtos, o que se julga contrário aos objectivos da iniciativa, sobretudo atendendo à “Medida 5 – Proteger as famílias”.

Ainda nesta matéria, não se percebe o alcance do n.º 2 do referido artigo 13.º, designadamente se a aplicação dos coeficientes anuais, previstos no artigo 24.º da Lei n.º 6/2006, acresce ou é alternativa ao coeficiente de 1,02 previsto no n.º 1. Esta disposição também não é clara sobre se, tendo passado mais de um ano sobre o final do contrato anterior, se aplicam, cumulativamente, todos os coeficientes anuais, ou apenas o do ano em que é feito o novo contrato.

No que respeita ao disposto no n.º 4, que permite que os Senhorios incorporem no aumento do valor da renda 15% dos encargos com obras de remodelação e restauro profundos, desde que devidamente atestadas pela Câmara Municipal, crê-se que a exigência desse atestado vem introduzir maiores entropias, dificultando a colocação, no mercado de arrendamento, dos imóveis remodelados ou restaurados. Atendendo às conhecidas dificuldades e à morosidade dos processos nas Câmaras Municipais, mais ainda quando se trata de questões relacionadas com o imobiliário, qual será o prazo que as Câmaras Municipais têm para passar o referido atestado e como poderá o proprietário celebrar um novo contrato de arrendamento e aplicar o valor previsto nesta disposição sem o mesmo? Questiona-se, igualmente, quais os critérios que serão fixados para o referido atestado, ou seja, em que parâmetros as Câmaras Municipais se vão basear para determinar que foram efectuadas obras de remodelação e restauro profundos?

Crê-se que seria preferível dispensar o atestado pelas Câmaras Municipais e utilizar uma formulação semelhante à que consta no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS, ou seja, aceitar, para o efeito, os gastos com obras de remodelação e de restauro profundos, que sejam documentalmente suportados. Adicionalmente, a taxa máxima deveria corresponder a 20%, possibilitando ao proprietário recuperar o investimento no prazo de 5 anos.


g) Medida 5 – Proteger as famílias


Proteger os inquilinos com arrendamentos mais antigos

Compreende-se a preocupação social com as situações de maior vulnerabilidade dos inquilinos, designadamente os que ainda estão abrangidos por contratos de arrendamento celebrados antes de 1990.

Recorda-se, contudo, que o congelamento das rendas, que vigorou até essa data, foi um dos principais causadores do afastamento dos investidores do mercado de arrendamento habitacional, contribuindo para a degradação dos edifícios urbanos.

A proposta apresentada pelo Governo de ressarcir os Senhorios pelas rendas não cobradas, não difere, em termos práticos, da solução de “subsídio de renda” que hoje se encontra plasmada no artigo 36.º do NRAU, mas que nunca chegou a ser regulamentada. Qualquer que seja a solução, compensação aos senhorios ou subsidiação da renda, é importante assegurar que os Senhorios recebem efectivamente, o valor de renda a que têm direito, a qual deverá ter em conta o estado e a localização do imóvel, bem como as rendas que se praticam em contratos de arrendamento de imóveis que se encontrem em condições semelhantes.

Em conclusão, a APFIPP sublinha que os OII, ao serem instrumentos colectivos de investimento, agregadores de disponibilidades de inúmeros aforradores/investidores, submetidos a um quadro legal, regulatório e de supervisão extremamente exigente, devem ser tidos em consideração, na colaboração que poderão prestar para a resolução do problema da habitação no nosso país. Os Gestores de OII, aliás, pretendem entrar neste mercado, cujas oportunidades analisam há vários anos. Mas, para serem parte da solução, são obrigados a apresentar interessantes possibilidades de retorno a quem neles confia as suas poupanças, o que implica, no entendimento desta Associação, o ajustamento das medidas agora em reflexão.

Com efeito, sendo veículos de investimento regulados e transparentes, os OII podem apresentar-se como instrumentos preferenciais para a criação de um regime de estímulos que vise especificamente a promoção da habitação e do arrendamento habitacional.

Do mesmo modo, as respectivas Entidades Gestoras, pela experiência acumulada e pela regulação e transparência a que estão sujeitas, como referido na alínea e) supra, poderão ser um parceiro preferencial na gestão dos portfólios de habitação e dos contratos de arrendamento.

APFIPP

Março de 2023