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Opinião

Francisco Mota Ferreira

O círculo de influência

27 de março de 2023

Não sei se vos aconteceu o mesmo, mas quando iniciei a minha actividade no mundo imobiliário na vertente residencial, escondi de toda a gente das minhas relações o que estava a fazer. E, apesar das recomendações do meu então director comercial e das formações que ia fazendo, onde se destacava a importância de valorizarmos o nosso Círculo De Influência (CDI), na minha ingenuidade de rookie (e na sobranceria de me sentir desenquadrado naquelas salas, naqueles temas e com aquelas pessoas) achava que tudo aquilo eram balelas. E pensava para mim próprio que Deus me livre se iria anunciar aos sete ventos (e muito menos à família e aos amigos mais chegados) que agora tinha decidido tentar ser um profissional do ramo imobiliário.

Aqui entre nós, o que me aconteceu não foi diferente do que certamente terá acontecido a centenas ou milhares de profissionais que se iniciam nestas lides e tem um nome que o vou assumir com todas as letras: V.E.R.G.O.N.H.A.

Muito embora acredite que exista uma pequena minoria que, racionalmente, olha para este sector e pensa que é aqui que se vai realizar profissionalmente – porque tem liberdade de horários, potencialidade de ganhar imenso dinheiro, etc., etc. etc. – o facto é que uma enorme maioria vem cá parar porque, progressivamente, viu serem-lhe fechadas as portas como profissionais onde desenvolveram toda a sua vida.

Pior ainda, quando no passado fomos excelentes no que fazíamos, com uma agenda invejável de contactos, um ordenado com vários zeros à direita e benefícios de diversa ordem (carro, seguro de saúde, viagens…). E porque achamos que fomos pessoas muito importantes ontem, temos algum pejo em pensarmos que o nosso caminho profissional irá passar, a partir de agora, por vender casinhas. E vem daí a tal vergonha e o desejo de esconder o que fazemos - pelo menos até que a coisa corra bem e possamos assumir o caminho e a decisão que tomámos. Been there, done that. Right?

E desta vergonha decorre o nosso erro de rookie de não partilhar com o mundo o que estamos a fazer e dar a conhecer esta nossa nova vida aos nossos amigos e à família. O tal Círculo De Influência que vos falei no início. E, tendo sido eu alguém que passou por tudo isto até ter a coragem de assumir o que fazia, como fazia e porque o fazia, olho hoje para trás e penso quão mais fácil teria sido o meu início se me tivesse deixado destes pruridos e reconhecesse o que estava a fazer. No final de contas, não é, nem deve ser nenhuma vergonha. Não estamos a roubar (bom, pelo menos a maioria de nós), e estamos a prestar um serviço e a ajudar clientes e famílias a tomar uma decisão de vida que, neste caso, passa pela compra e/ou venda de um imóvel.

No início, como muitos de vós saberão, não é nada fácil. É, por isso, uma enorme parvoíce não recorrer a quem, à partida gosta e confia em nós, para nos ajudar no caminho que iniciámos. Muitos não conseguem passara barreira da vergonha e do insucesso e, ao fim de alguns meses, a bater com a cabeça na parede, abandonam a profissão e o sector. A maioria, felizmente, começa progressivamente a encarreirar e descobre no imobiliário a sua vocação de vida. E olham para trás e percebem o quão errado foi não terem assumido, desde o primeiro dia, perante todos, o percurso iniciado.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)