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Opinião

André Casaca, Consultor & Promotor Imobiliário

Quanto custa fazer uma casa?

28 de março de 2023

Hoje volto ao tema da habitação com o objetivo de apresentar um exercício que demonstre (aproximadamente) o custo atual de construir uma casa.

Mas antes disso, permitam-me uma breve ressalva. O Setor Imobiliário (onde me incluo) tem uma enorme dificuldade em comunicar com as pessoas que não “vivem o dia-a-dia” da Indústria. Comunicamos muito com objetivos comerciais (Vendas, Volumes de Investimento, Empreendimentos, Etc) mas muito pouco com o objetivo de informar. Há muito Marketing mas pouca Informação. Acredito que muita gente “não gosta” do Imobiliário porque não o conhece. Cabe-nos a nós, profissionais das diferentes atividades que compõem o setor mudar esta realidade. É verdade que temos observado muita evolução nos últimos anos mas ainda temos muito para melhorar. Citando o GRANDE COMENDADOR Rui Nabeiro, “se todos quiséssemos, o mundo era extraordinário!”. Se aplicarmos esta máxima ao mercado imobiliário, se todos fizermos a nossa parte, podemos melhorar muito a nossa Indústria e a forma como é percebida.

Voltando ao tema central desta reflexão, muito se tem dito e escrito sobre preços e rendas Habitacionais em Portugal. Existe um claro desencontro entre o rendimento médio das pessoas e o preço/rendas das casas, sobretudo nas localizações onde as pessoas pretendem viver e onde a “infraestrutura urbana” (Emprego, Educação, Saúde, Transportes, Lazer, etc) responde a grande parte das suas necessidades.

A questão é: PORQUÊ? Porque é que o preço das casas é elevado?

A resposta é muito simples. Porque o custo de produzir uma casa é elevado.

“Imaginem” um terreno localizado numa zona urbana de Alta Densidade, com uma área de cerca de 24 000 metros quadrados, onde será possível edificar cerca de 16 800 metros quadrados de Área Bruta de Construção Acima do Solo (excluindo varandas e terraços).

Tendo em conta as regras urbanisticas definidas, poderão construir-se 6 pisos acima do solo e cerca de 180 fogos (apartamentos). Escusado será dizer que as regras obrigam a um determinado número de lugares de estacionamento para cada casa, que serão construidos em 2 pisos abaixo do solo.

Apresentados estes pressupostos, vamos ao exercício de “criação do empreendimento e escolha das tipologias”.

Vamos dividir o empreendimento em 5 Lotes. Cada lote dará origem a 35 casas e cerca de 41 lugares de garagem com as premissas apresentadas abaixo:

- Área de Implantação por Lote: 560 m2

- Área de Construção Acima do Solo por Lote: 3360 m2

- Área Bruta Privativa por Lote(“Área das casas”, medidas pelo perímetro exterior das paredes, excluindo varandas): 2632 m2

- Áreas Comuns por Lote  (Caixas de Escada/Zonas de Circulação e Elevadores): 728 m2

- Área de Terraços e Varandas por Lote: 526 m2

E agora a parte mais interessante, as tipologias!

Não foi uma “escolha fácil”, confesso.  O método utilizado foi o “bom senso”, tentando perceber quais as maiores necessidades da procura. Lembrem-se que não estou a definir uma localização específica e a intenção é construir casas que a maioria das pessoas possa comprar. Nada de luxos. Construção corrente com qualidade.

Relembro que a taxa de Natalidade em Portugal é extremamente baixa e como tal, não me faz muito sentido ter muitas Tipologias de grande dimensão.

Assim, por cada Prédio temos 35 casas com as seguintes tipologias:

T0 – 6 Casas, cada uma com um lugar de estacionamento e  varandas

T1 – 5 Casas, cada uma com um lugar de estacionamento e varandas

T2 – 18 Casas, cada uma com um lugar de estacionamento e varandas

T3 – 6 Casas, cada uma com dois lugares de estacionamento e varandas


Podemos discutir se as áreas são grandes ou pequenas e se as tipologias fazem sentido ou não. Mas será que isso que importa? Não! O que importa é perceber quanto vai custar cada casa.

Lembrem-se que não definimos localização específica.

O objetivo é calcular o custo de produção de uma casa, excluindo o valor do terreno e impostos associados á sua aquisição, a Margem De Lucro/Remuneração do Capital do Promotor/Investidor e custos de Marketing & Comercialização.

Quais são os custos que existem para um projeto com as características do que estamos a analisar?

1)      Custos de Aquisição/Terreno: Como explicado acima, deixamos este custo a 0;

- Custos de Aquisição

- Impostos

- Due Diligence Técnica e Jurídica

2)      Custos de Projetos, incluindo IVA: 118 760,60€

- Estudos Prévios

- Projetos de Licenciamento ( Arquitetura e Engenharias)

- Projetos de Execução (Arquitetura e Engenharias)

- Certificação Energética

- Certificação Acústica

- Outras Certificações

3)    Taxas Municipais: 349 415,17€

- TRIU (Taxa pela Realização , Manutenção e Reforço das Infraestruturas Urbanísticas)

- Ocupações de Via Pública

- Taxas de Submissão de “Projetos e Pedidos”

- IMI  (Imposto Municipal sobre imóveis) e AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre imóveis)

4)      Custos de Construção, incluindo IVA: 4 351 354,00 €

- Empreitadas de Construção Civil e Materiais

- Infraestrutura (Ligações Ramais Água, Eletricidade, Saneamento, Gás , Telecomunicações)

- Fiscalização

- Seguros

- Imprevistos

- Policiamento / Segurança

5)      Custos de Gestão e Administração do Projeto, Incluindo Impostos: 202 370, 08 €

- Custos de Estrutura

- Custos de Outsourcing

6) Custos Financiamento : 384 865,13 €

- Taxas Processuais

- Imposto de Selo no Capital utilizado

- Juros

7)      Custos de Marketing e Comercialização: Por uma questão de simplificação, vamos deixar este custo a 0, tal como fizemos com o terreno.

- Materiais de Marketing

- Mediação Imobiliária

Resumindo, desenvolver um projeto residencial com 35 casas (com varandas) e 41 lugares de estacionamento pode custar cerca de

5 404 853,08 €, mais coisa menos Coisa.

Traduzindo este número para custo por Tipologia, temos:


Não querendo falar sobre margens de lucro da Promoção Imobiliária, coloco a questão de outra forma.

Se qualquer um de nós investir 5 404 853, 08€, quanto pretende lucrar com isso? 1%, 5%, 10%, 20%, 40%, 100%?

Adicionem essa margem ao custo apresentado.

Agora escolham uma Localização que gostem e tentem perceber o custo do terreno. A seguir adicionem esse custo do terreno e tentem perceber por quanto teriam de vender os apartamentos para que o projeto fosse viável e obtivessem o lucro pretendido.

“Imaginem” que o desenvolvimento de um projeto com estas características dura em média 48 meses e mais de metade do tempo é pura Burocracia. 48 meses são 4 anos!

O Ciclo que se percorre entre o momento em que se começa a desenvolver o projeto e o momento em que se entregam as casas é demasiado longo. Há muito risco associado. Basta pensar no que tem acontecido nos últimos meses com o aumento das taxas de juro. A capacidade de endividamento das pessoas “piorou” muito. Em tese, 1000€ de prestação bancária permitiam adquirir uma casa com um valor de 300 000€. Atualmente, os mesmos 1000 € compram uma casa de 240 000€.

Passamos muito tempo a criticar o preço e a renda das casas mas poucas vezes falamos do seu custo e do seu processo.

No meu ponto de vista, o Custo e o Processo são as principais causas da falta de oferta de habitação para classe média, ou melhor, para a maioria das pessoas. Infelizmente, o seu rendimento é “inelástico”.Se o custo do Promotor/Investidor já atinge a capacidade de compra do utilizador a decisão é simples: Não avançar com a construção e apostar noutro tipo de segmento de mercado como menos “sensibilidade” ao preço e à necessidade de financiamento.

E qual é a solução? Continuar a discutir o “Sexo do Anjos”? Assim, certamente que não vamos mudar nada.

Conseguimos reduzir custos de produção?

Sim, tudo se consegue. Sobretudo se existir Desenvolvimento em Larga Escala e consequente verticalização do Processo de Promoção. Neste caso, o risco aumenta consideravelmente, com o aumento significativo dos custos fixos mas permite a economia de escala.

Para construir em escala é imperativo reduzir os Ciclos de desenvolvimento, sobretudo no que diz respeito à Burocracia. Em relação à parte mais prática, a execução da Construção, nota-se evolução do setor no que diz respeito aos métodos utilizados. A Tecnologia está a permitir reduzir significativamente o tempo de construção. Temos o problema da mão-de-obra para resolver mas, isso é outra história.

Diminuindo o tempo de Licenciamento/Burocracia e o tempo de execução da construção para metade(de 4 para 2 anos), a percepção de risco muda totalmente. Seria uma transformação muito benéfica para o setor e todos os seus Stakeholders. O risco associado ao processo de Desenvolvimento Imobiliário diminuiria consideravelmente.

No que diz respeito a construção nova, tem-se discutido a questão do IVA, e a sua possivel redução para 6%. Podia ajudar? Sim, sem dúvida. Mas não me parece ser a “Única Solução”.

Para termos uma noção mais exata, o IVA (23%) da Rúbrica Construção no exercício que apresento representa cerca de 14% do Custo Total. Se alterarmos o IVA para 6%, temos uma poupança de cerca de 4% no Custo Total.

Conseguimos cortar mais nos custos? Sim, conseguimos. Mas vamos obviamente impactar nos rendimentos dos profissionais que fazem parte do processo de Desenvolvimento Imobiliário. Tenho a certeza que o “problema” dos Custos de Produção não está nos salários de projetistas, trabalhadores da construção civil e todos os outros participantes. Pelo menos em Portugal.

Existem outras alternativas?

Bem na verdade, acredito que sim. Nomeadamente ao nível do Planeamento Urbano.

As regras urbanísticas para Imóveis Residenciais devem/deveriam ter em conta o “tipo de Habitação” .

Fazer casas para o Mercado de Compra e Venda não “deveria” ser a mesma coisa do que desenvolver Projetos para o Mercado de Arrendamento (Longo Prazo). As necessidades são diferentes. O “utilizador” é diferente. O projeto também deveria ter especificidades diferentes e obrigatoriedades diferentes.

Nomeadamente no que concerne a número de fogos e áreas mínimas por Tipologia. Dependendo das localizações, a questão dos lugares de estacionamento obrigatório também deveria ser revista.

Resumindo:

1) Desenvolver/Construir 175 novas casas, com lugares de estacionamento e varandas, sem qualquer tipo de luxo poderá custar cerca de 27 024 265,41 €(excluindo valor de terreno, margem de lucro de promoção/remuneração do capital investido e custos de Marketing e Comercialização) e deverá demorar cerca de 4 anos se tudo correr bem.

2)      Para desenvolver 175 novas casas com as características indicadas anteriormente, precisamos de construir 16 800 metros quadrados acima do Solo, 5600 metros quadrados abaixo do solo e 2632 metros quadrados de varandas e terraços. No total temos 25 032 m2 de Área Bruta de Construção sendo que a soma da  Área Privativa com as varandas e terraços de cada fração ascende a 15792 m2. A área efetivamente “vendável” representa cerca de 63% da área total.

3)      Arrisco afirmar que a redução do ciclo de desenvolvimento dos Projetos Imobiliários, sobretudo a Burocracia, é mais importante do que a redução do IVA na construção Nova porque no momento 0, sabemos qual o valor do imposto mas não sabemos quanto tempo teremos para enfrentar um processo de licenciamento.

4)      Analisando o custo por tipologia, é notório que a partir da tipologia T3, o custo supera significativamente o valor médio de financiamento em Portugal (180 000€). Este indicador apresenta a razão pela qual a maioria dos novos empreendimentos associados à Classe média desenvolve tipologias “mais curtas”.

5)      Diminuir as áreas médias por tipologia pode ser uma resposta interessante à necessidade de reduzir o custo por tipologia. Não me parece que a habitabilidade das casas piore. Temos que analisar a forma como as pessoas vivem as suas casas hoje em dia. Não pudemos cingir-nos a regras urbanisticas criadas há 50 anos que tentavam dar resposta a necessidades diferentes.

6)      Projetos Residenciais com especificidades diferentes (Ex: Compra e Venda Vs Arrendamento) não deveriam ter o mesmo tipo de critérios urbanísticos.

Em jeito de conclusão, gostaria de deixar claro que não sei qual a solução mais efetiva para este problema da habitação mas tenho a certeza que a solução não é “cada um e cada qual puxar a brasa à sua sardinha” conforme o seu interesse ou conveniência.

O problema da habitação é sério e, acima de tudo, precisa de ser analisado com bom senso e sem extremismos desmedidos.

Por outro lado, é evidente que a forma de “Habitar” as casas mudou signifcativamente nos últimos anos. A transformação foi grande e vai continuar. Se as regras urbanísticas e a nossa teoria do “complicómetro” não se adaptarem às novas realidades, ficamos para trás na resolução deste problema Global.

André Casaca

Consultor & Promotor Imobiliário

www.andrecasaca.pt

* Texto escrito com novo Acordo Ortográfico