Um objetivo: mais casas para morar
Todos sabemos que a crise habitacional em Portugal é uma questão complexa e com raízes profundas. Para enfrentar esta crise, os sucessivos executivos têm lançado, ao longo dos anos, várias iniciativas que procuram abordar algumas das causas da escassez de oferta de casas no nosso país.
O programa "Mais Habitação", do último governo, tinha como objetivo principal aumentar a oferta de imóveis economicamente acessíveis, tanto para compra como para arrendamento. Destaco, entre as principais medidas, a redução de impostos para proprietários que disponibilizassem imóveis para arrendamento a preços mais baixos; a regulação do mercado através da imposição de limites aos preços de arrendamento em áreas de alta pressão urbanística; o apoio financeiro para a reabilitação de edifícios degradados, com a condição de que estes fossem destinados ao mercado de arrendamento acessível, e a criação de projetos de colaboração entre o setor público e privado para a construção de novas habitações.
Estas medidas visavam aumentar a oferta de habitação e também tornar o mercado mais acessível para as camadas da população com menores rendimentos. No entanto, como vimos, o programa enfrentou diversas críticas, nomeadamente pela sua implementação lenta e pela complexidade burocrática, que trouxe algumas dificuldades à adesão por parte de proprietários e investidores.
O programa "Construir Portugal", apresentado recentemente pelo novo governo, tem uma nova abordagem, embora me pareça manter, como o anterior, o foco no aumento da oferta de habitação e na reabilitação urbana.
Das suas medidas principais, destaco a introdução de isenções fiscais significativas e a criação de uma garantia pública para a aquisição da primeira habitação por jovens até aos 35 anos que estarão, a partir de agosto de 2024, isentos do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo ao adquirir imóveis até 316 272 euros, destinados a habitação própria e permanente. Além disso, o programa oferece uma garantia pública de até 15% do valor do imóvel, permitindo aos jovens obter financiamento total sem necessidade de entrada inicial, facilitando assim o acesso a casa própria. Paralelamente, o governo revogou o arrendamento forçado de imóveis devolutos e irá lançar um processo que se espera ágil para colocar imóveis públicos devolutos no mercado habitacional, em colaboração com as autarquias. Outra iniciativa que me parece muito relevante é a diminuição do IVA para a construção e reabilitação para a taxa mínima - 6% -, de forma a reduzir os custos para promotores, construtores, proprietários e inquilinos.
Parece-me que o novo programa tenta eliminar as regulamentações de preços de arrendamento, substituindo-as por incentivos diretos que podem eventualmente ser mais facilmente administrados. Além disso, é dado ênfase às subvenções diretas e a aposta na construção modular sugere uma mudança de paradigma para soluções que podem ter um impacto significativo a curto prazo, até porque este é um dos desafios do setor, na medida em que muitas das propostas não têm, de facto, um efeito imediato.
A crise habitacional em Portugal exige uma abordagem multifacetada e uma aposta na inovação. O programa "Construir Portugal" mantém, julgo que acertadamente, parte das medidas do “Mais Habitação”. É preciso termos presente que o setor vive também uma crise de confiança, e é essencial podermos trazer clareza e previsibilidade aos negócios de construção e de imobiliário. A nova estratégia também introduz novas medidas, com a promessa de maior rapidez e eficácia na sua implementação. Focado na simplificação, sustentabilidade e inovação, há a expectativa de que este programa possa trazer algum alívio para o setor e para as pessoas. O seu sucesso dependerá, contudo, da sua execução eficiente e da colaboração contínua entre o governo, o setor privado e a sociedade civil.
Nuno Garcia
Director-geral da GesConsult
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico