Siza e Oscar: Para além do mar
“Siza e Oscar: Para além do mar”, exposição de fotografia de José Roberto Bassul que abre portas no próximo dia 7, às 17h00, no Espaço Ferreira Alves, na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, trata-se de um diálogo visual abstrato entre a arquitetura de Siza Vieira no Brasil e a de Oscar Niemeyer em Portugal.
Com curadoria de Ângela Berlinde, a mostra compõe-se de 28 imagens que prestam uma homenagem fotográfica a dois ícones da arquitetura modernista.
Do lado de cá, o Hotel Pestana Casino Park na Ilha da Madeira, obra única em Portugal do brasileiro Oscar Niemeyer. Do lado de lá, o edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre no Brasil, também obra única da autoria do português Álvaro Siza Vieira.
“As fotografias de Bassul que inspiram esta conversa a três - para além do mar - convidam-nos a sentir os batimentos cardíacos da obra de dois arquitetos maiores do nosso tempo, Siza e Niemeyer, tesouros que permanecem a marcar o fluxo e as geometrias temperamentais deste movimento transatlântico“, refere a curadora. “Quando fotografei, em 2019, o extraordinário edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, sabia que essa era a única obra de Álvaro Siza edificada no Brasil. Com a câmara, recolhi fragmentos visuais da sutileza silente do maior arquiteto português”, conta o autor, José Roberto Bassul.
“Tempos depois, descobri uma coincidência. Oscar Niemeyer, o mais importante arquiteto brasileiro, tem também apenas uma obra em Portugal: um hotel na Ilha da Madeira. Em 2021, quando uma trégua da Covid o permitiu, também ali recolhi frações abstratas do edifício. Construí então um diálogo visual entre esses dois imensos modernistas. Um de cada lado do Atlântico, pouco se encontraram. Nas licenças da imaginação, contudo, conversam intensamente. E falam a mesma língua. Não apenas o português, mas o idioma sem fronteiras da poesia."
"O real não está na saída nem na chegada,ele se dispõe para a gente é no meio da travessia", Guimarães Rosa.
Mirar a obra do artista José Roberto Bassul a partir de dois pontos do hemisfério é um convite a um movimento de rotação que requer fôlego, em especial quando atravessados por “tanto mar”, com todos os seus desejos, dramas e contradições. A sua poética, simultaneamente contida e desconcertante, reside em conduzir o espectador num vai-e-vem entre as obras de dois dos mais grandiosos arquitetos modernistas do nosso tempo. Bassul convida-nos a escutar os batimentos cardíacos que marcam o fluxo e os desejos deste movimento transatlântico: do lado de cá, a eloquente ousadia do Hotel Pestana Casino Park na Ilha da Madeira, obra única em Portugal do brasileiro Oscar Niemeyer. Do lado de lá, a elegância silente do edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre no Brasil, também obra única da autoria do português Álvaro Siza Vieira.
Nesta travessia, a intenção é provocar sentidos e sobressaltos na linguagem, afastando-nos da representação literal e convidando-nos ao mergulho numa conexão profunda entre os sentidos e a imaginação. Entre cá e lá, estamos perante uma composição entre-lugares, contada através dos traços nuançados de Bassul, que ousa fabular conversas entre eles e explorar frações ocultas nas entrelinhas de cada obra. O centro nevrálgico da sua investigação é, como o próprio artista aponta, “a travessia do mundo concreto das edificações para o território impalpável dos sentidos”. Esta coleção abre assim uma onda na qual as imagens-poema assumem a condição de desenhos, cortes e brechas. E, como tal, encenam uma ligação que se tateia, experimenta e descobre a cada movimento, numa fisicalidade tão provocadora quanto melancólica.
Bassul revela uma habilidade única de amalandrar forças opostas: poder e simplicidade, imponência e subtileza, senso público e intimidade, sempre movido por uma força a um só tempo afetiva e transformadora. A perambular entre o estético, o poético e o político – inspirado nos legados de Lygia Clark e Hélio Oiticica – Bassul entrelaça-se no diálogo entre linhas e formas como se dançasse num mundo imaginário. Seus micro-poemas desvelam um aspeto lírico na atmosfera por vezes agressiva e excludente da cidade. Evidenciam assim que, mesmo conscientes das imperfeições do mundo, haverá sempre lugar para o vivermos poeticamente. E é admirável o quanto a troca se faz verdadeiramente livre e profunda, fazendo-nos crer que as fotografias assumem a forma de esquissos numa folha em branco, como se naquele gesto coubesse toda a imagem possível: a do sonho.
O artista entrega-se à premissa de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas a par da inquietação e Desassossego de Fernando Pessoa. É aqui que Bassul mais se destaca numa das suas qualidades mais distintas: "A ousadia de captar enigmas, num pensamento que constata as formas, as configurações existentes, em pleno equilíbrio entre a razão e a poesia, entendendo a realidade como construção e mergulhando na vertigem da experiência. É impossível não se surpreender com esta travessia, não reagir perante o enigma da sua obra que, com o seu próprio movimento de rotação, se expande e contagia entre mares e hemisférios – sentindo as vibrações do entorno e a reverberação que as travessias sempre causam", Ângela Berlinde.