Os consultores Calimero
Já sei que vai haver imensa gente que me lê por aqui que não vai gostar nada do que vou escrever nas próximas linhas, mas tenho a certeza que os que não vão gostar são, provavelmente, aqueles que estão sempre a procurar desculpas para o seu insucesso.
Uma das coisas mais aborrecidas que pode existir no imobiliário é perdermos um negócio. Mas, diria eu, perder um negócio faz parte das regras do jogo. Como, aliás, ganhar um.
E, quem anda neste meio, sabe bem que, se há uns dias para a caça, há outros para o caçador. E, não tem drama nenhum, termos vários negócios em pipeline e fazermos todos. Como não deveria ter drama nenhum fazer apenas alguns. Ou, no limite, não fazer sequer nenhum.
Bem sei que o último exemplo é o mais negro dos cenários e quem por aqui anda quer, naturalmente, evitá-lo ao máximo, porque, no final do dia, sem ordenado certo e apenas a depender dos negócios que são feitos, é vital termos sucesso e concluirmos negócios de forma regular.
As redes sociais são, aliás, uma montra de vaidades nesse aspecto. Para o melhor, mas também para o pior. E, como em tudo, há os que exageram, talvez porque querem mostrar que são a última Coca-cola do deserto, anunciando supostos negócios a serem concretizados numa base regular que, sendo verdade ou não, alimentam egos, despertam invejas e mostram aos menos afortunados (ou que não têm tanta capacidade de inventar) que este mundo é bestial. Já escrevi sobre estes no passado e esta semana não são estes o âmago destas minhas linhas.
Esta semana quero falar-vos dos que estão no reverso da escalada deste suposto sucesso e que defini como os consultores Calimero. Já não será do tempo de muitos de vós, mas esta série italo-japonesa que vi em Portugal nos idos a nos 80, retratava as desventuras de um patinho preto, de seu nome Calimero, a quem tudo acontecia. Porque era um desastrado, porque tinha azar, mas também porque os seus irmãos amarelos não lhe davam descanso fazendo-lhe as maiores das tropelias.
Há bocado dizia-vos que perder ou ganhar negócio faz parte de quem anda nestas lides e que isso deveria ser encarado com alguma naturalidade. E, reforço este ponto, porque deveria ser assim se, idilicamente, as circunstâncias que levam um consultor a perder um negócio, fossem oriundas de um princípio correto, mas irreal: o de que todos os stakeholders que por aqui andam são pessoas sérias e honestas. E, se assim fosse, não viria mal ao mundo perder-se um negócio porque o cliente decidiu rescindir connosco ou porque o comprador mudou de ideias.
O problema nestas coisas, como todos tão bem sabemos, é que o imobiliário se assemelha, cada vez mais, a uma verdadeira batalha campal, em que todos estão contra todos. Não há confiança, às vezes nem entre a mesma marca ou agência, quanto mais entre consultores. E os negócios partem muitas vezes da premissa, errada que os intervenientes têm de ter cuidado porque senão são roubados. Ou então de outra, ainda pior, e que passa por tentar enganar os outros players primeiro porque, genuinamente, acreditam que se o fizerem antecipadamente não irão ser eles os enganados.
Volto ao Calimero para dizer o seguinte: na série, o pequeno pato dizia sempre que a culpa para todos os seus azares não era dele, mas sempre de terceiros. E até podia ser verdade (e muitas vezes até era, ou não fosse esta uma série cómica destinada a potenciar o exagero do infortúnio de Calimero). Mas no final do dia, o pequeno pato tinha de conseguir seguir em frente e aprender com os erros.
No imobiliário, volta e meia, aparecem os consultores Calimero. Aos que se queixam porque perderam negócios e oportunidades porque os outros foram maus e desonestos, o melhor conselho que posso dar é o de atolar a outra parte em burocracia e legalismos até terem a confiança e a certeza de quem está a negociar convosco será, pelo menos, tão honesto como vocês. E aprendam que de nada vale virem para as redes dar uma de Calimero porque os outros foram maus. Só vos fica mal. E, tal como no liceu, ninguém gosta das queixinhas.
Aos que resolvem ser Calimeros porque, por exemplo, não percebem que os clientes só são deles quando assinam contratos, ou não compreendem as vicissitudes deste mercado que, tão depressa dá, como tira, só posso aconselhar uma coisa: mudem de profissão porque, manifestamente, o Imobiliário não é para vocês.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)