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NOTÍCIA
Opinião

Francisco Mota Ferreira

As burocracias e as burrocracias

16 de outubro de 2023

Temos, tendencialmente, a mania de nos queixarmos de que Portugal é um País onde a burocracia impera e tenderei a concordar. Aliás, mais do que a burocracia, que nos limita tantas vezes a capacidade de investir e progredir, acho, sinceramente, que o nosso País tem, infelizmente, a (in)competência de transformar as nossas burocracias em verdadeiras burrocracias porque, lá está, quem está à frente de determinado serviço, departamento ou instituição não terá sido propriamente bafejado com o melhor dos intelectos.

No caso dos pequenos investidores imobiliários, é, por isso, bastante agradável descobrir que quando estão a pensar fazer obras no imóvel que compraram, afinal até podem poupar algum dinheiro, porque, afinal, há toda uma panóplia de ações que pode fazer no seu imóvel sem que isso implique, necessariamente, a perda interminável de tempo (e de paciência) para lidar com as burocracias e os burrocratas.

Vamos supor que o imóvel que foi adquirido tem muitas divisões pequenas e queremos transformá-las em poucas mais maiores. Para este tipo de obras não é necessária qualquer licença uma vez que as alterações previstas não terão uma elevada relevância urbanística (até porque ocorrem no interior da habitação).

De igual forma, também se se quiser mudar o tamanho de uma janela ou de uma porta não haverá necessidade de obter uma licença. Algo que, naturalmente, se aplica às vivendas e não aos prédios, uma vez que a mudança num andar ou numa habitação pode por em causa a harmonia da fachada. Ou seja, as marquises, tão em voga nos anos 70 do século passado eram, para além de medonhas, ilegais, embora gozassem de uma ampla permissividade (talvez porque, possivelmente, os próprios autarcas não resistiram à tentação de o fazer nas suas habitações particulares?). No século XXI, continuam a ser proibidas e desaconselhadas – o Cristiano Ronaldo que o diga. Ou, no limite, é necessária uma comunicação prévia às autoridades competentes e/ou a autorização da maioria dos condóminos.

De igual forma, se quisermos transformar um espaço interior da casa em garagem podemos fazê-lo, desde que não se exceda os 10 m2 de área ou os 2.20m de altura. Se, inversamente, quisermos fazer o oposto – transformar uma garagem num espaço diferente – também podemos fazê-lo, respeitando os limites que referi anteriormente. Diga-se aliás, que os 10m2 e os 2.20m são também a base de referência para, por exemplo, a construção de um anexo no jardim.

A propósito de obras em casa, termino, com uma história que se contava, há muitos anos, no departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e que nunca percebi se foi, de facto, real ou se era apenas um mito urbano.

Contava-se que, um dia, os serviços da Autarquia receberam um pedido de um proprietário que queria fazer uma claraboia no telhado da casa onde vivia. A CML analisou o pedido e diligentemente respondeu, alegando que o proprietário não o poderia fazer por violar o PDM, a legislação em vigor, colocar em causa a harmonia do bairro e outras burrocracias legalistas. O mesmo proprietário terá esperado algum tempo, fez a obra pretendida e quando ficou concluída, escreveu de novo à CML, a pedir, desta vez, para fechar a claraboia. Adivinham o que aconteceu? A mesma Autarquia, que tinha proibido esta obra de ser feita anteriormente, desta vez impediu que a obra entretanto realizada fosse desfeita, alegando, supostamente os mesmos motivos que a tinham travado em primeiro lugar. Claro que, com a nova decisão, em termos práticos, o proprietário passou a ter um documento da CML em como não podia fechar o que (ilegalmente) tinha feito.

No final resta-me apenas deixar a recomendação óbvia: apesar dos exemplos aqui referidos, não deverá ser feita qualquer obra em casa sem que primeiro tenhamos a certeza dos passos que estamos a dar e tivemos já a opinião de um arquiteto e das autoridades locais. As Autarquias não são propriamente meigas nas coimas a aplicar, o que faz com que os achismos, na reabilitação urbana de imóveis, pagam-se muito caro.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)