Mais convicção, menos especulação
O mercado imobiliário em Portugal começou a transformar-se desde meados de 2014, na medida em que Lisboa se tornou cada vez mais atrativa a turistas, novos residentes e investidores. A informação assimétrica e facto de o limite mínimo do investimento para obtenção de vistos de residência estar pré-estabelecido, causou uma súbita subida de preços por motivos não imediatamente correlacionados com a valorização qualitativa dos ativos (isso veio mais tarde), mas sim com as características da procura. E tudo mudou.
Compradores estrangeiros, inicialmente desinformados ou inexperientes, passaram nove anos a experimentar investir e viver no nosso país e, quanto mais cedo chegaram, melhores negócios fizeram, mas estão neste momento a agir com maior ponderação face aos preços que se tornaram excessivos. Há, também, cada vez maior incerteza do que pode acontecer ao mercado imobiliário após a implementação de medidas do Governo, agora no sentido de acabar com incentivos ao investimento estrangeiro e pressionar os preços da habitação a baixar. Medidas essas, populistas e ineficazes, pois afastam o investimento na construção e na reabilitação urbana e destroem o mercado de arrendamento, tão necessário numa conjuntura de subida de taxas de juro.
Proprietários e compradores de casas baseiam-se em preços médios por m2 e em avaliações enviesadas de mediadores que lhes prometem conseguir determinado valor. É isso que quer ouvir para assinar o contrato, não é? Num setor em que há mais consultores imobiliários do que imóveis para transacionar, a competição leva os consultores a dizerem o que os seus potenciais clientes querem ouvir, pressionando os preços a uma constante subida que se tornou insustentável. A distinção de qualidade tornou-se irrelevante e a referência passou a ser os preços em venda de cada zona, ainda que na realidade estes se vendam muito abaixo. Mas ninguém sabe e o sensacionalismo dos media não ajuda. A minha experiência de mais de onze anos na mediação imobiliária demonstrou que, apesar de poderem ser uma referência muito generalista para comparar países, tal como os níveis de salários, os preços médios por metro quadrado valem zero na apreciação que faço aos imóveis e no aconselhamento que presto aos clientes. O facto de as pessoas compararem ananases com limões com base na localização tem tido as consequências visíveis.
Como funciona o mercado imobiliário? Tal como qualquer outro, é cíclico, pois está dependente das taxas de juro, e funciona por segmentos. Os imóveis de elevada qualidade e com características exclusivas, como os acabamentos, os espaços exteriores, a localização e envolvente, são escassos e não é necessário haver muita procura para o que é especial, porque determinado nicho de clientes está sempre disponível para adquiri-los. Estes saem rapidamente do mercado, porque, ou os compradores ou os seus proprietários sabem que o seu valor é superior comparativamente aos imóveis que estão em venda, ainda que o preço seja muito acima da maioria dos imóveis na mesma zona.
Fazer uma média com o que é muito mau e com o que é excecional, deteora o investimento em qualidade e inviabiliza a compra de imóveis de classe mais baixa e média. A qualidade da oferta deteora-se, mas o mercado continua a responder à procura e a escoar imóveis de qualidade cada vez menor, a preços cada vez mais elevados. A escassez de imóveis cujo valor real corresponde ao que os compradores pagam aumenta, até ao equilíbrio no qual os compradores já não compram porque apenas encontram imóveis que não suprem as suas necessidades, ou porque as taxas de juro já não permitem.
Um exemplo deste comportamento pode ser observado na crise financeira entre 2007 e 2012. Os bancos estavam entupidos com ativos tóxicos, causados pela oferta de crédito incobrável, e tinham melhor informação acerca da toxicidade desses ativos do que o mercado. Os bancos deixaram de poder vender os ativos de qualidade. Ao saberem disto e não haver capacidade de endividamento nem compradores para ativos de baixa qualidade, o mercado colapsou.
Condições de um mercado caracterizado por informação imperfeita
- Informação assimétrica: os compradores não conseguem perceber o valor de um ativo antes da compra. Em circunstâncias de facilidade de obtenção de financiamento, alguns pagam acima das suas possibilidades por não terem alternativa;
- Seleção adversa: existe um incentivo para que os vendedores coloquem no mercado imóveis muito acima do valor de mercado, mantendo os de qualidade superior para utilização própria ou para arrendamento;
- Falta de estrutura de avaliação: os profissionais do setor são incentivados para angariar e lucrar, deturpando as suas avaliações para ganharem um cliente. Por outro lado, não possuem mecanismos nem competências para avaliar, com sensibilidade, as características de um imóvel. Não conhecendo por dentro o estado dos imóveis que já foram vendidos, através de fotografias o estado e a qualidade são difíceis de avaliar, pelo que as avaliações se baseiam no preço médio em venda e são muito falíveis;
- Elevada variação de preço: existe uma elevada variação entre o preço anunciado e o preço real de venda. Não existe transparência e apenas o vendedor e o mediador sabem o preço real de venda após negociação nem o preço da comissão que foi indiretamente pago pelo comprador.
Confiança no mercado imobiliário
A confiança é de extrema importância para a estabilidade do mercado. Um mercado sujeito ao problema da seleção adversa resultante da assimetria de informação, pode inverter a sua tendência e entrar numa bolha negativa, na qual um ativo será trocado por um preço abaixo do seu valor real.
A situação do mercado imobiliário nos últimos nove anos é de uma bolha negativa que perdurava há décadas, transformada em bolha positiva através do investimento estrangeiro. Esta é mais duradoura nos mercados em comparação com bolhas negativas, por que estimula o investimento na valorização dos imóveis, através da sua reabilitação e desenvolvimento local. Num cenário extremo, que se verificou no nosso país, alguns investidores tiveram como estratégia de comprar para colocar imediatamente à venda, muitas vezes ainda antes de escriturar a compra e sem qualquer obra de melhoria, o denominado house flipping. Assim, os imóveis começaram a negociar-se cada vez mais acima do seu valor real. As bolhas positivas persistem até que os bons investidores (que criam valor e não são especulativos) saem do mercado, o que tem consequências negativas na oferta e na qualidade.
Esta dinâmica de mercado mostra que as condições que levam a cenários de perda de qualidade da oferta podem resultar numa bolha negativa, mas se essas condições forem acompanhadas de sentimentos de mercado positivamente comprometidos com a continuidade da subida de preços, pode corrigir o seu sentido e parar a descida, porque os compradores continuam a perseguir os seus sonhos e a responder às suas necessidades.
As condições do mercado com perceção de valor real distorcida, tornam muito difícil aos compradores determinar o valor de um imóvel ou avaliar com segurança o seu potencial de valorização a longo prazo. Neste contexto, o fluxo de informação é principalmente unilateral, do mercado especulativo ao comprador e influenciado pelos interesses dos mediadores em maximizar o sentimento global do imobiliário com uma tendência ascendente. O comprador, que pode saber pouco ou nada sobre o mercado real e as suas nuances, só pode confiar que o emissor (mediador) e que seus porta-vozes (comunicação social) são verdadeiros, competentes e empenhados em acrescentar valor. Será que são?
Uma das principais causas da instabilidade de um mercado especulado é que existe um incentivo claro e incontestável para que tanto vendedores como mediadores vendam imóveis acima do valor, gerindo expetativas e criando medo de perder oportunidades. Estes incentivos, como comissões de venda e excesso de agentes mediadores em competição por contratos, objetivos e prémios, permitem que as suas empresas lucrem desproporcionalmente com um comportamento cada vez mais manipulador e distorcido daqueles que devem ser os seus princípios e o apoio às decisões de clientes vendedores e compradores.
Como equilibrar o mercado?
O Governo implementou medidas para permitir aos portugueses adquirir ou arrendar casas, impedindo os portugueses de lucrar com a venda ou arrendamento de casas. Parece legítimo, mas não funciona.
“Não pergunte o que é que o seu país pode fazer por si, pergunte o que é que você pode fazer pelo seu país" – J. F. Kennedy
Se queremos mudar a sociedade, temos de mudar-nos a nós próprios. Parece cliché, mas é a mais pura das realidades. A especulação tem origem nas decisões de cada pessoa.
Ao longo dos anos de mediação, lidei com pessoas mais honestas e menos honestas, mais gananciosas e menos gananciosas, mais ou menos transparentes, mais ou menos rígidas nas suas tomadas de decisão e nas suas posições de negociais. Por questões relacionadas com baixa auto-estima e vibração de escassez, algumas pessoas encaram a transação de um imóvel como um jogo de poder e criam autênticos debates para infligir a derrota ao outro, seja a mediadora ou a parte compradora. Pese embora o impacto financeiro que a venda de uma casa tem na vida de cada pessoa, ao qual sou absolutamente sensível, e ao facto de cada um ser soberano nas suas decisões e princípios, algumas das decisões com que me deparei eram arbitrárias, sem fundamento, sem razões concretas, em que o vendedor pretendia que a mediadora levasse outras pessoas a aceitar o seu preço e as suas condições à força. Qualquer pessoa que respeite a sua autoridade pessoal se recusa a compactuar com decisões arbitrárias e sem fundamento e a entrar num jogo argumentativo. Esta disciplina permite-me recusar colaborar com clientes cuja posição é intransigente, não alinhada com os princípios que me norteiam e em que não há mútuo reconhecimento de autoridade. Deste modo, enquanto mediadora, comprometo-me com a angariação de imóveis pelo preço de mercado realista e não especulativo, ainda que o cliente jure a pés juntos que o seu vizinho vendeu a casa 20% acima e que os outros mediadores garantiram determinado preço. Todas as mediadoras já caíram nestas armadilhas, com maior ou menor consciência do que estavam a fazer, algumas com a melhor das intenções, entre as quais me incluo.
Por outro lado, a maioria das pessoas tem a crença de que, uma negociação é um jogo de soma nula com base no preço pedido, em que se ganha mais quanto mais dinheiro se consegue receber ou poupar face a esse preço. Nada mais errado. Esta é uma postura de escassez e seja qual for o resultado da negociação, a pessoa sentirá sempre que poderia ter recebido ou poupado mais e nunca fica satisfeita.
Sejam compradores ou vendedores, em vez de utilizarem estratégias de negociação assentes em escassez, incentivo estratégicas que visam criar uma ponte e aconselho sempre os meus clientes a estabelecer ou oferecer o preço que corresponde à sua melhor oferta. "Este é o melhor preço que eu estou disponível a receber pelo meu imóvel", ou, "Este é o melhor preço que eu estou disponível a pagar por este imóvel".
Todas as pessoas a quem foi dado este poder de decidir com convicção e verdade saíram extremamente satisfeitas com a compra ou venda, com uma sensação de abundância. A primeira reação de algumas pessoas foi estranhar que eu propusesse oferecerem mais do que o asking price, mas entenderam e alinharam, fazendo a sua melhor oferta. Outras consideraram bluff e perderam a casa que queriam. Os proprietários saíram igualmente satisfeitos, porque a casa não estava abaixo de preço, estava sim no preço mínimo que os deixava confortáveis e que permitiu que diversas pessoas lhes oferecessem mais, consoante o valor que lhe atribuíram e que podiam pagar. Em vez de estar acima, a aguardar por uma oferta muito abaixo que nunca chegariam a saber se era ótima, pois afugentaram à partida mais interessados.
Assisti a esta postura de abundância na mais recente negociação que mediei, na qual o comprador apresentou uma proposta abaixo do que na realidade estaria disposto a pagar e preparou uma série de argumentos para defender a sua "falsa proposta". O meu cliente vendedor acolheu, agradeceu não entrou no jogo de escassez. Comunicou com transparência e sem rodeios os motivos e a sua decisão de apenas aceitar determinado preço e condições, cedendo face ao preço inicial, apesar de estar adequado ao valor de mercado. Esse preço foi imediatamente aceite pelo comprador, sem mais objeções e com vontade de fazer o esforço necessário e ir mais além para concretizar o negócio. O meu cliente está satisfeito com a sua decisão e consigo mesmo, sabendo que nada perdeu.
Dar o nosso melhor é ampliar o nosso valor. A vida equilibra sempre tudo o que damos e tudo o que recebemos, mais tarde ou mais cedo. Não é o nosso ego que manda aqui. Quanto mais queremos receber além do que é certo, mais vimos a pagar mais tarde. Sejamos suficientemente íntegros, corajosos, generosos e disponíveis para oferecer o nosso melhor, independentemente da ilusão do que poderíamos receber/poupar a mais e do que outros fariam no nosso lugar, sejam os nossos vizinhos, amigos ou familiares. Temos responsabilidade pessoal por tudo o que acontece ao nosso redor e no mundo. Só alterando as nossas escolhas podemos trazer o mercado imobiliário para um novo equilíbrio.
Sandra Viana
Fundadora da LOBA
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico