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Turismo, um ‘covit’ à reflexão

14 de abril de 2020

Escrever um artigo sobre o futuro do Turismo – ou de qualquer setor – nos dias em que vivemos, com uma pandemia que diariamente nos bate à porta e nos estilhaça os planos feitos um dia antes, é um exercício de pura ficção. Basta recuar um mês para percebermos como a informação disponibilizada veio exigir medidas que alteraram a nossa realidade.

Uma análise da Organização Mundial do Turismo com o nome “Impact Assessment of the COVID-19 outbreak on international tourism” e datada de 27 de março, indicava para uma quebra da receita turística mundial entre os 300 e os 450 mil milhões de dólares este ano. Traduzindo isto para miúdos, o “cenário pessimista” apontava para o desaparecimento de 1/3 da receita gerada a nível global pelo Turismo. Ora neste parágrafo há duas informações chave que agora adquirem mais relevância. O estudo tem já quase três semanas e o “cenário pessimista” é... pior! Basta atentarmos para as declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, do passado domingo, onde ela apela para não se fazerem reservas de férias para este verão.

Seguindo a estrutura de um debate online que recentemente promovi e que juntou o ex-secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, e vários hoteleiros nacionais, o futuro do setor do Turismo deve ser analisado em três vertentes:

1º Apoios concedidos durante a quarentena

Já muito se disse e escreveu sobre este tema e estamos todos cientes das limitações do Estado. Não somos um País rico e todas as soluções encontradas merecem um constante ajustamento. Basta ver que a lei do lay-off simplificado conheceu várias versões até chegar ao resultado em vigor.

Com a interrupção total da sua fonte de rendimento e num cenário que promete prolongar-se por muitos meses, o tecido empresarial português do setor do turismo estará neste momento a fazer contas e a questionar-se se vale a pena. Se vale a pena endividar-se para pagar salários, se vale a pena endividar-se para aguentar a tempestade passar, se vale a pena endividar-se para sobreviver até dias melhores, sendo que esses dias não serão iguais e não têm data. Há muitos que simplesmente não vão querer ser donos de uma dívida num contexto de contração económica e que para mais não os beneficiou em nada (não foi uma dívida para melhorias, oferta de novos serviços, aquisição de novos equipamentos, etc.). Portanto, tirando o lay-off, todas as medidas até agora foram um convite ao endividamento facilitado (endividamento que ainda assim é moroso e que têm uma fraca capacidade de resposta por parte da Banca) e não uma injeção real de capital nas empresas;

2º o Ano Turístico 2020

O ano prometia ser fantástico e os últimos dados do INE disso dão conta. Em fevereiro registou-se uma subida homóloga de 15,3% no número de dormidas em estabelecimentos hoteleiros. Ainda que embalados por um carnaval que este ano foi em fevereiro e com um mês que contou com mais um dia, continuam a ser números de respeito: 1,6 milhões de hóspedes e 3,9 milhões de dormidas.

Em março tudo se alterou e em abril tudo se confirmou: não vai haver ano turístico em 2020. E mais vale ser realista e assumir já isto. As afirmações da Senhora Ursula von der Leyen são uma machadada fatal nos optimistas que pensavam que iriam ganhar umas migalhas com uma suposta retoma sazonal. Não vão ganhar e também desengane-se quem pensa que o turismo interno irá compensar a ausência de turistas internacionais, porque não vai.

Olhemos para as agências de viagens, para os operadores turísticos, os organizadores de congressos, as agências de incoming, os organizadores de eventos, os restaurantes, os hotéis, os alojamentos locais, as empresas de animação turística, os guias-intérpretes, etc. Imaginemos estas empresas, na sua grande maioria PMEs, as dezenas de milhares de famílias aqui envolvidas para percebermos que o problema é grave. Não se aguenta um barco que mete água a esta velocidade; o leme torna-se pesado até ficar ingovernável.

3º O futuro do Turismo e do destino Portugal

Se chegou até aqui na leitura é um optimista. Acredita que há futuro. Claro está, que tudo o que disser é um exercício de personificação do grande Zandinga, essa grande figura do nosso imaginário coletivo. Tenho uma má notícia, sabe qual é? Muitas empresas vão falir. E tenho uma boa notícia para si: o tempo é de nos reinventarmos.

Conceitos como sustentabilidade e economia circular estarão cada vez mais em voga. A procura de destinos sustentáveis ou com políticas de sustentabilidade devidamente aplicadas será cada vez maior. A certificação ambiental da fileira do Turismo será uma exigência do consumidor.

A outra exigência será a da segurança. E quando falo em segurança não me refiro à segurança onde Portugal já dá cartas no mundo: índice de criminalidade baixo, ausência de ameaças terroristas ou de desastres naturais. A segurança que passa também a contar é a sanitária. Temos de voltar a sentirmo-nos seguros na viagem e a realidade que esta pandemia existe porque existe Turismo. Há um século uma pandemia do género teria ficado por Wuhan, na China, e nunca de lá teria saído. Daí ser tão importante os destinos começarem já a pensar em protocolos de segurança e em demonstrar que sabem e estão bem equipados para lidar com este vírus.

Mais uma vez saímos da pole position: os artigos publicados há dias no Die Spiegel, no New York Times, ou no El Pais, só para citar alguns, a dar conta do caso de exceção do nosso País na luta contra este flagelo fez com que os olhos do mundo se colocassem em nós. Por outro lado, o filme do Turismo de Portugal #cantskiphope, pleno de oportunidade e com uma mensagem de empatia fantástica colecionou centenas de elogios na imprensa internacional e milhares de partilhas.

Ou seja, em um mês de confinamento Portugal já conseguiu dar cartas a nível internacional duas vezes. Temos de continuar neste caminho, no nosso caminho, e não sucumbir à aflição do momento. Podemos não estar a fazer tudo certo... mas estamos no caminho certo.

Ruben Obadia

CEO da Message in a Bottle, Restauranteur, organizador das FuckUp Nights Lisbon, e especialista de comunicação na área do Turismo

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico