Ter um salário faz toda a diferença
Num dos meus últimos artigos – “O António arranjou um emprego” - expliquei algumas das razões que levam a que o sector do imobiliário seja um dos mais rotativos que conheço, com muitos consultores a abandonarem a profissão, a troco de alguma estabilidade salarial. Porque, no fundo, como muitos argumentam, saem porque arranjaram um emprego.
Podemos dar a volta que quisermos dar. Porque este é um sector que é visto como “fim da linha” para milhares de pessoas, porque não há qualquer triagem em quem quer entrar e tentar ter sucesso, porque as formações são, na maior parte dos casos, uma coisa confrangedora, tem-se permitido que o sector esteja nas ruas da amargura, sendo visto por quem cá está (e, infelizmente também, por quem está de fora), como algo que não merece qualquer nível de investimento ou consideração. E, acreditem quando vos digo, bastavam apenas alguns pontos para mudar, em definitivo, o sector.
O primeiro passava por reconhecer que o imobiliário não é o faroeste. Não entra quem quer, entra quem pode. E, para isso, há que fazer as triagens necessárias. Não é apenas existir uma aposta clara na formação dos futuros consultores, onde se lhes explicam as regras, os direitos e os deveres. É fazer o que fazem muitas empresas de outros sectores que apostam na vertente comercial.
No imobiliário é comummente aceite que não há salário para um consultor e isso é, a meu ver, o que afasta os melhores e aproxima os medíocres. Uma marca ou agência se quer ter os melhores dos melhores tem de apostar à seria. Read my lips: Têm de pagar.
E o pagar não é dar mais 10 ou 20% de comissão, ao mesmo tempo que exige formações patetas a quem já está no sector há uns anos. É dizer ao consultor que for trabalhar para aquela marca vai ter um salário, ao nível de um qualquer ordenado de uma função comercial de uma empresa fora deste sector, com componente fixa e variável. É dar-lhe computador, telemóvel e carro de serviço. Mas, em contrapartida, reduzir na percentagem das comissões de vendas de imóveis, ao mesmo tempo que coloca objectivos, metas e prémios. E, com isso, permitir que o consultor tenha um propósito e uma vontade em trabalhar com aquela marca: porque quanto mais vender, mais pode ganhar e porque sabe que tem garantido um salário justo e digno ao fim do mês. E, naturalmente, admitir que outros que querem estar no regime sem salário, mas com uma comissão mais elevada possa fazê-lo.
Outro eixo da renovação dos quadros no imobiliário passa pela formação, com uma aposta clara das marcas e das empresas em dar as melhores ferramentas a quem vai trabalhar com eles. Um consultor bem informado (e bem formado) é meio caminho andado para um trabalho de excelência, que se destacaria, naturalmente, face à fraca qualidade de uma extensa maioria que por aqui anda. Ao mesmo tempo, esta formação iria levar a que fossem emitidas licenças AMI e carteiras profissionais aos consultores, que não seriam dependentes das agências onde estes trabalham, mas pessoais e intransmissíveis, num reconhecimento claro que quem tivesse uma carteira profissional seria a garantia, interna e externamente, que é alguém que sabe o que anda aqui a fazer.
Por último, a profissionalização só pode existir em pleno se houver uma fiscalização concreta ao sector, que elimine as agências de vão de escada e tudo o que de mau que aqui se passa, com “consultores” a atropelarem-se uns aos outros para ganhar mais uns trocos. Com multas efectivas e perdas de licença AMI.
Neste ponto, para além de reforçar as competências de fiscalização do IMPIC, a estratégia passaria por limitar o número de associações que lidam com o imobiliário e que dizem representar o sector X, Y e Z. Ou sou só eu que me baralho com a quantidade de entidades que dizem que se ocupam do imobiliário e que cada vez mais se assemelham a grupos privados que defendem apenas o seu próprio interesse?
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário