CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

 

Seriedade precisa-se (ou, à falta dela, regulação)

1 de julho de 2020

“Hoje venho aqui para um desabafo …há uma agência que diz que faz partilha. Quando lhe apresentei um cliente comprador para o imóvel que tinham disseram-me que este já não estava disponível. Desliguei a chamada e meu cliente ligou para lá. O imóvel passou não só a estar disponível, como marcaram logo uma visita.”

“Tenho um imóvel para venda em não exclusividade e partilho o meu negócio com outra agência que me garante ter cliente comprador. Esta agência descobre onde o imóvel é e rouba-me o cliente e o negócio”.

“Procurei brokers para parcerias porque tinha cliente comprador para o que seriam os seus imóveis. Quando chegou a fase de concretizar negócio, descubro que o que estes afinal vendiam não era deles, mas de uma partilha e agora pedem-me para fazer a divisão da comissão a três”.

Os exemplos acima descritos não passam, felizmente, de exemplos. Mas, infelizmente, espelham uma triste e negra realidade de um sector que precisa urgentemente de novas regras ou regulação.

Todos sabemos que o turismo e o facto de Portugal subir nos rankings internacionais fez disparar a actividade imobiliária e hoje em dia o mercado está aberto (e cheio) de agentes e agências que prometem tudo e o seu contrário para garantir negócio. O problema, como em tudo na vida, é que o que é demais tende a dar em asneira.

Actualmente, desde que se paguem as respectivas licenças e não exista nenhum impedimento que ponha em causa a idoneidade, qualquer pessoa pode exercer uma AMI e ter a autorização do sector para isso. Uma simplificação que poderia ser benéfica para todos levou a que hoje em dia a profissão de consultor imobiliário não seja vista como tal: nem por quem contrata os nossos serviços nem pelos pares.

Simplificou-se tudo de tal forma que qualquer pessoa pode aqui chegar e dizer que é consultor imobiliário, que tem investidores nacionais e internacionais, que gere fundos ou que está à procura de oportunidades fantásticas. O que seria bom se fosse sempre assim e, acima de tudo, se fosse sempre verdade.

O problema é que em muitos casos infelizmente não o é e assistimos a uma verdadeira canibalização do sector: já não é a concorrência saudável de agências aliciarem consultores de outras agências, mas um completo desnorte e falta de triagem sobre quem as agências escolhem para os representar, com perdas reputacionais que deveriam fazer qualquer agência corar de vergonha e repensar o caminho do laissez faire et laissez passer que estão a trilhar.

Hoje em dia parece que qualquer CV serve, qualquer passado é irrelevante, desde que o “consultor” (entre aspas, obviamente) que tenhamos à nossa frente possa, com sorte, vender alguma coisa e trazer lucro para a agência. Pelo meio, claro está, dá-se-lhe uma formação (que deveria ser sempre paga para separar os que genuinamente querem ser consultores imobiliários dos que andam aqui a “mostrar umas casas”) e faz-se um investimento nos ditos profissionais que diariamente respondem a anúncios.

O problema nisto tudo é que esta estratégia, à la long compensa. E não é preciso as agências terem a sorte de encontrarem o Cristiano Ronaldo no Sporting. Basta já apanhá-lo no Manchester United que ainda vão bem a tempo de capitalizar o investimento feito – veja-se o caso do Real Madrid. 

Uma vez formados e formatados, estes consultores vão para o mercado tentar a sua sorte. Uma opção legítima, diga-se (todos nós já passámos por aí), mas que esbarra nalguns casos (felizmente poucos, espero) de mostradores de casas sem escrúpulos e sem princípios que podem fazer (quase) tudo porque o mercado não está regulado e porque no final o dinheiro fala mais alto. E como não temos uma Ordem dos Consultores Imobiliários, quem prevarica pode fazê-lo vezes e vezes sem conta. 

E o mercado como fica e como nos vê no meio disto tudo? Este será tema que espero responder em breve num próximo artigo.

Francisco Mota Ferreira

Consultor Parcial Finance