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O arrendamento em Portugal – Parte I

30 de maio de 2022

Confesso que tive algumas dúvidas em escrever sobre este tema porque sei que, provavelmente, irei deitar gasolina para uma fogueira que já está acesa há alguns anos e levar a que, os vários lados nesta guerra me olhem como um alvo a abater. Também vos revelo que as dúvidas que pudesse eventualmente ter ficaram de imediato desfeitas quando tive a oportunidade de consultar a Lei nº 6/2006, que estipula as regras do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

Sejamos concretos, o problema do arrendamento começa logo com o NRAU. Não sei se já se deram ao trabalho de o ler, mas convido-vos a esse esforço. E quando digo esforço sei bem o que estou a dizer: quem é que, no seu perfeito juízo, acha que consegue ler e perceber a plenitude de uma legislação que está coligida em, nada mais nada menos do que 1113 artigos!? Sim, leram bem: são mais de mil artigos a explicarem direitos, deveres, obrigações e penalizações para arrendatários, senhorios, famílias (e, suponho eu, os respetivos cães, gatos, peixinhos do aquário e periquito). Ou seja, à boa maneira portuguesa, nada como despejar verborreia legislativa para defender tudo e o seu contrário para que advogados experientes possam tornear a lei de acordo com as conveniências e interesses dos seus clientes.

E não é preciso ser um especialista legislativo, em questões de arrendamento, para perceber que algo está, de facto, muito mau neste sector, quando percebemos que o preço mensal de uma renda pode ser superior a uma eventual prestação bancária de pagamento de um empréstimo para a compra de habitação. Ou quando realizamos que o que se diz na vox populi sobre as condições para arrendar não anda muito longe da real possibilidade de termos de doar um rim para assegurar a habitação que desejamos.

Aliás, a dificuldade começa justamente com a formulação dos desejos. E, se se tivesse de situar no tempo quando é que começou a ser um problema arrendar uma casa em Portugal, eu apontaria os anos 90 do século passado quando, ao crescimento económico português dessa década, se seguiram políticas efectivas – dos vários Governos e da Banca - que incentivaram e facilitaram as condições para a compra de habitação própria em detrimento de uma política de arrendamento até então mais em voga.

E, com isto, tornámo-nos um suposto País de proprietários, onde todos passámos a ter a possibilidade de ser felizes e, cumprindo-se a Constituição, a termos direito, para nós e a nossa família, “a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” (artigo 65, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

Claro está que esta súbita febre consumista dos Portugueses foi acompanhada por intensa produção legislativa, na qual o NRAU é um dos seus expoentes máximos, por um endividamento cada vez maior das famílias para cumprir o sonho da habitação própria e, naturalmente, por uma explosão de setores de atividade como o da promoção imobiliária e a consultadoria de negócios imobiliários. Por uma questão prática de autolimitação de caracteres, irei desenvolver mais em detalhe o que adianto neste último parágrafo em próximos artigos.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).