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O arrendamento em Portugal – Parte II

6 de junho de 2022

No artigo anterior lancei mãos à empreitada de tentar explicar as razões que levam a que, em Portugal, a questão do arrendamento seja um bicho de sete cabeças para muitos e, em muitos casos também, uma solução pouco viável para quem procura uma habitação.

Tentei explicar as origens do fenómeno de hoje sermos conhecidos como um País de proprietários (falidos é certo ou, em muitos casos, completamente aflitos para conseguirem pagar a prestação mensal decorrente do empréstimo bancário que contraíram para a vida toda) e o problema que existe em termos uma ampla produção legislativa que, a meu ver, complica mais do que facilita. Nas próximas linhas irei tentar simplificar o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) que, com os seus 1113 artigos estabelece as relações entre arrendatários e senhorios e explicar porque é que, no meu entendimento, estamos cada vez mais longe de cumprir a Constituição da República Portuguesa no seu direito à habitação. Mesmo que, com a multiplicação dos proprietários em Portugal, se tenha igualmente assistido, como vos referi no artigo anterior, à explosão de sectores de actividade como o da promoção imobiliária e a consultadoria de negócios imobiliários. Mas vamos por partes.

Muitos de nós cresceram com a realidade de casas arrendadas, com medidas do Estado a incentivarem essa política e a promoverem, entre outros pontos, a mobilidade geográfica das famílias, que se espalhavam de norte a sul do país, aquém e além-mar. No final do século passado tudo mudou e passou a considerar-se essencial a promoção da compra em detrimento do arrendamento. E, embora se diga que o mercado do arrendamento está a mudar (já lá vamos), somos confrontados diariamente com uma das consequências mais visíveis desta medida quando passeamos pelas cidades e vemos casas vazias, devolutas e entaipadas. E não são só problemas de heranças e partilhas. São os impostos pesados que recaem sobre os proprietários, são as taxas e as taxinhas. E, claro está, é também a decisão de os proprietários as manterem assim nessas condições porque desistiram de as arrendar há muitos anos atrás, não fizeram as obras necessárias e cansaram-se das burocracias e tributos inerentes em todo o processo.

E, sejamos verdadeiros, o NRAU não ajuda porque tem legislação a metro para todos os gostos. É certo que protege, e muito o inquilino - e quem lida com arrendamentos sabe bem a dificuldade que tem em mandar embora uma família que decide deixar de pagar a casa que arrendou ou se, entretanto, quer ativar a caução (ou pedir mais garantias) porque enquanto lá esteve, esta família decidiu escavacar a casa toda. Todos nós, a título particular ou profissional, conhecemos histórias de inquilinos perversos que fizeram objectivo de vida, fazer a vida negra aos proprietários.

Mas o NRAU também assegura direitos aos proprietários que, levados ao limite, podem ser uma chatice. Porque, como bem sabemos, no reverso da medalha, também todos temos histórias de senhorios malvados que abusam da boa vontade dos inquilinos, enganam-nos nas obras que deviam fazer, pedem cauções exorbitantes ou tentam fazer render a sua galinha dos ovos de ouro muito para lá do limite do razoável.

O NRAU apareceu para colmatar, actualizar e suprimir legislação antiga que existia sobre o arrendamento, mas acabou por ainda complicar mais uma atividade que, reforço, há décadas atrás era um motor da economia das famílias e do desenvolvimento económico do país. Pela sua extensão, detalhe e cumplicidade, o NRAU acaba por ser um instrumento que pode ser usado a seu favor por qualquer uma das partes envolvidas, mantendo-se o status quo de alguma nebulosidade que convém a algumas partes.

A progressiva liquidação do mercado de arrendamento em Portugal e a sua substituição por clientes compradores levou, como vos referi, à profusão das actividades imobiliárias, quer no campo da promoção quer no campo da intermediação. Voltei a alongar-me mais do que pretendia nestas linhas, pelo que peço a vossa compreensão para lerem a terceira parte deste artigo na próxima semana.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).