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Opinião
Gonçalo Carvalho Miguel, da Laplace Real Estate Intelligence

Gonçalo Carvalho Miguel, da Laplace Real Estate Intelligence

Paris e a Cidade dos 15 minutos

31 de julho de 2025

Paris

Inspirado pela ideia de que é possível construir cidades mais humanas, habitáveis e resilientes, Carlos Moreno propõe o conceito da "Cidade dos 15 Minutos" como resposta à urbanização excessiva, à fragmentação territorial e ao domínio do automóvel nas nossas cidades. Mais do que um modelo técnico, trata-se de uma filosofia urbana baseada na proximidade, no bem-estar quotidiano e na reconquista do tempo. 

O desafio central consiste em como participar ativamente na transformação das cidades, com criatividade, envolvimento e sentido de pertença. A cidade deve ser pensada como um espaço vivo — um ecossistema em constante mutação — onde a qualidade de vida prevalece sobre a eficiência puramente tecnológica. Colocar o cidadão no centro da equação é fundamental: só uma cidade que prioriza o bem-estar dos seus habitantes será capaz de enfrentar os desafios contemporâneos da mobilidade, habitação, saúde, educação e trabalho. 

A cidade tradicional, dominada pela monofuncionalidade e pela lógica do automóvel, conduziu à criação de metrópoles difusas e fragmentadas, marcadas por desigualdades espaciais e sociais. O uso excessivo do carro não é apenas uma questão de mobilidade: tornou-se uma expressão de status e estilo de vida, contribuindo para a “trombose urbana” e a degradação ambiental, como a impermeabilização acelerada dos solos. 

Carlos Moreno propõe uma abordagem regenerativa e integrada do território, centrada em quatro pilares fundamentais: as infraestruturas urbanas, o cidadão como a essência da vida urbana, os espaços de socialização e troca e uma política pública voltada para o bem comum. Esta abordagem articula-se com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 da ONU: garantir cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. 

A Cidade dos 15 Minutos defende a criação de núcleos urbanos compactos, densos e verdes, onde os serviços essenciais — habitação, escola, trabalho, saúde, comércio, lazer — estão acessíveis num raio de 15 minutos a pé ou de bicicleta. Trata-se de devolver à cidade um ritmo humano, promovendo o cronourbanismo, isto é, uma nova relação entre o tempo e o espaço urbano. Ao reduzir a necessidade de longas deslocações, este modelo favorece a mobilidade ativa, a vida de bairro e uma economia de proximidade. 

No plano político, o autor defende uma regulação que assegure a coerência entre espaço privado, espaço público, biodiversidade e bens comuns. Para isso, são necessárias políticas públicas que: 

1. Promovam a continuidade espacial e a diversidade funcional, evitando zonas monofuncionais; 

2. Apostem na qualidade ambiental, recuperando cursos de água e criando parques urbanos; 

3. Estimulem a conectividade local e as deslocações suaves, fomentando redes de vizinhança coesas e acessíveis. 

A transformação urbana proposta por Carlos Moreno está intrinsecamente ligada a um novo paradigma de desenvolvimento sustentável. No coração da Cidade dos 15 Minutos está também a aposta numa economia circular e num modelo pós-carbono, onde a reutilização dos recursos, a eficiência energética e a descarbonização se tornam imperativos para garantir o futuro das cidades.

A cidade policêntrica e multifuncional surge como resposta concreta à crise climática e à escassez de recursos. Esta cidade viva e regenerativa deve adaptar-se constantemente às necessidades dos seus habitantes, incorporando as novas tecnologias sem abandonar as redes de infraestruturas já existentes. A manutenção do parque edificado, a implementação de soluções como a fibra ótica, os sistemas de partilha de viaturas ou bicicletas e a reorganização dos espaços públicos são elementos centrais dessa transformação.

A proposta é simples e profundamente disruptiva: todos os serviços essenciais devem estar acessíveis num raio de 15 minutos a pé ou de bicicleta. Mas para isso, é preciso repensar o próprio uso do espaço. Hoje, muitos edifícios e infraestruturas estão subutilizados durante a maior parte do tempo. A cidade do futuro precisa de espaços partilhados e versáteis — escolas, garagens, edifícios públicos — que acolham múltiplas funções ao longo do dia e que fomentem a convivência e o sentido de comunidade.

Reinventar a praça pública é parte fundamental desta missão. Devolver os espaços públicos aos cidadãos é condição essencial para a criação de laços sociais. O domínio do automóvel nas cidades — com avenidas, cruzamentos e parques de estacionamento a ocupar áreas imensas — compromete esse objetivo. Mais do que poluir, os carros apropriaram-se do espaço comum. Transformar esse espaço, devolvê-lo às pessoas, é um dos maiores desafios urbanos da atualidade.

Esta transformação também é cultural e simbólica. A cidade que queremos é aquela que reconhece a importância dos bens comuns, da diversidade funcional, da inclusão social. A ideia de que as infraestruturas e os recursos urbanos devem servir toda a gente — e não apenas quem tem meios para se deslocar ou consumir — exige uma nova ética do urbanismo.

Moreno alerta para o paradoxo das cidades atuais: quanto mais conectadas estão digitalmente, mais fragmentadas se tornam na sua vivência real. A hiperconectividade reforça um espírito gregário, mas não impede o isolamento físico, nem a dependência dos fluxos longos e centralizados. A atração urbana intensificou-se e, com ela, o consumo de recursos, a pressão sobre as infraestruturas e a exclusão de vastas franjas da população aumentaram.

A resposta passa também por uma redistribuição territorial inteligente. As cidades-mundo e as grandes metrópoles não podem concentrar sozinhas o desenvolvimento. É essencial valorizar as cidades médias, diversificar os centros de poder e as infraestruturas e evitar o estrangulamento urbano e o colapso ambiental. A Cidade dos 15 minutos é, neste sentido, um modelo aplicável não apenas a Paris, mas também a centros de média dimensão, como os que marcam o território português.

Carlos Moreno refere ainda exemplos como o Bairro dos 5 Minutos, em Nordhavn (Copenhaga) e os casos de Milão ou da região da Randstad, que procuram aplicar estes princípios, com diferentes graus de sucesso, adaptando a escala e o contexto local à visão global de uma cidade mais densa, verde, policêntrica e resiliente.

No fundo, já não se trata apenas do direito à cidade, como teorizou Henri Lefebvre, mas do direito a uma vida digna na cidade. As grandes transformações urbanas do século XXI não se farão apenas em torno da habitação, mas sim do acesso justo e próximo a todas as funções sociais que definem a qualidade de vida: saúde, educação, abastecimento, lazer, cultura, mobilidade e trabalho.

No centro da proposta da Cidade dos 15 Minutos está também uma crítica profunda à forma como organizamos o nosso tempo. Por que motivo continuamos a aceitar rotinas que nos obrigam a acordar às seis da manhã, a passar horas em deslocações e a sacrificar o convívio familiar e o bem-estar pessoal? A resposta é simples: porque o modelo urbano atual nos retirou a escolha. Para Carlos Moreno, só uma nova abordagem à gestão das nossas vidas urbanas — que reintegre as dimensões de tempo, espaço e mobilidade — poderá devolver-nos o controlo. Essa abordagem chama-se cronourbanismo.

O cronourbanismo questiona a forma como usamos a cidade e como ela molda os nossos ritmos de vida. É uma crítica ao urbanismo moderno, que separou os usos — habitação, trabalho, lazer — criando distâncias artificiais. A Cidade dos 15 Minutos, ao aproximar os serviços das pessoas e reatar os laços de vizinhança, propõe uma nova visão multipolar da cidade, onde os usos se sobrepõem e os espaços são partilhados. Essa ideia é ampliada com o conceito de cronotopia, ou seja, a diversificação dos usos de um mesmo lugar ao longo do tempo. Uma escola pode ser um centro comunitário à noite; um parque de estacionamento pode transformar-se em mercado ao fim de semana. É uma forma de otimizar os recursos urbanos, criando espaços mais vivos, versáteis e acessíveis.

A isto junta-se um terceiro conceito essencial: a topofilia, ou o apego ao lugar. A cidade ideal não é apenas funcional, é também afetiva. É aquela onde sentimos orgulho em viver, onde reconhecemos a nossa história, onde cultivamos uma relação emocional com os espaços. Desenvolver este vínculo depende da apropriação dos locais pelos seus utilizadores, da presença de natureza, do embelezamento dos espaços e da vitalidade das iniciativas locais.

Assim, a Cidade dos 15 Minutos emerge como a síntese destes três pilares: cronourbanismo, cronotopia e topofilia. Trata-se de uma proposta para transformar a cidade num lugar habitável, em qualquer escala — da metrópole às cidades médias — promovendo um desenvolvimento mais calmo, justo e sustentável.

Este modelo, que vai ganhando expressão em cidades como Paris, Milão, Edimburgo, Montreal, Melbourne ou Ottawa — muitas delas integradas na rede internacional C40 ou apoiadas pela ONU-Habitat — rompe com o paradigma do urbanismo funcionalista, propondo metrópoles à escala humana, descentralizadas e interligadas.

Em Paris, por exemplo, com o apoio político da presidente da Câmara Anne Hidalgo, a Cidade dos 15 minutos tornou-se o eixo estratégico de transformação urbana: reconversão de lugares de estacionamento em esplanadas e praças, estímulo ao comércio local, escolas abertas à comunidade e a aposta em ruas arborizadas e acessíveis.

Na essência, viver em proximidade é viver melhor. É partilhar o espaço urbano, usufruir das suas múltiplas camadas — sociais, ambientais, culturais — e reconfigurar a cidade como um lugar de encontros, de diversidade e de bem-estar. A cidade das curtas distâncias é, assim, o ponto de partida para uma vida mais equilibrada, mais conectada com o território e mais sensível ao tempo.

Trata-se de reduzir o raio de acesso às seis funções sociais urbanas essenciais: habitação, trabalho, abastecimento, saúde, educação e lazer. E, com isso, planear não apenas os edifícios, mas a própria vida urbana. A cidade deve deixar de ser monofuncional, com centros especializados e periferias adormecidas, para se tornar policêntrica, diversa, densa e próxima. Essa transformação será tão espacial quanto cultural — um verdadeiro novo estilo de vida urbano, onde se valoriza mais a qualidade do tempo vivido do que a velocidade das deslocações.

A Cidade dos 15 Minutos, nesse sentido, é mais do que um plano urbanístico: é um novo contrato social e afetivo com a cidade, uma visão que nos desafia a repensar como queremos viver, trabalhar e pertencer.

Este conceito propõe um novo ciclo urbano, harmonioso e interligado, onde o tempo, o espaço, a qualidade de vida e as relações sociais se reforçam mutuamente. O modelo privilegia uma diversidade funcional que não só potencia a eficiência e o conforto, como também promove interações sociais, económicas e culturais. Ao aumentar os espaços públicos de encontro e ao integrar processos digitais e modelos colaborativos, abre-se caminho a uma nova geração de serviços públicos — mais acessíveis, flexíveis e adaptados ao território.

A hiperproximidade torna-se assim um novo eixo de desenvolvimento. Passamos de uma mobilidade por obrigação para uma mobilidade por escolha, onde os recursos digitais complementam a presença física, reduzindo deslocações obrigatórias e devolvendo tempo aos cidadãos. Viver perto do que precisamos é também viver melhor.

A cidade dos 15 minutos assume-se, por isso, como um espaço multifuncional, policêntrico e participativo. Uma cidade onde as infraestruturas são polimórficas — ruas tranquilas e arborizadas, escolas abertas aos bairros, centros de saúde de proximidade, quiosques, mercados, discotecas que se transformam em ginásios, centros desportivos que acolhem oficinas ou explicações. Trata-se de aproveitar cada metro quadrado com inteligência e criatividade. A cidade torna-se mais solidária, viva e cívica, com uma programação urbana flexível e descentralizada.

Entre os impactos mais relevantes desta cidade de proximidade estão, por um lado, a heterogeneidade social, que permite ancorar classes médias nos centros urbanos, evitar a gentrificação e reforçar a coesão social e, por outro, o acesso dos mais desfavorecidos a serviços essenciais, com base em critérios de equidade e apoio às famílias.

A cidade ideal conjuga quatro elementos chave: 

- Densidade orgânica, que influencia positivamente as escolhas dos seus habitantes; 

- Proximidade, expressa em espaços partilhados, criatividade coletiva e valorização do património cultural e humano; 

- Heterogeneidade, que favorece a inclusão intergeracional, a diversidade de usos, a cultura e o equilíbrio de género; 

- Ubiquidade, ou seja, o uso da tecnologia para criar soluções locais, baratas e inteligentes, que reforcem os vínculos com o território.

Tornar uma cidade numa verdadeira Cidade dos 15 Minutos começa por uma análise rigorosa do que existe. Para que servem os espaços que temos? Quem os usa? Com que frequência? Dispomos de médicos, pequenos comércios, mercados, escolas, ginásios, espaços culturais, zonas verdes? As ruas e praças são utilizadas pelas pessoas, ou dominadas por carros? Conhecemos o modelo de trabalho predominante: presencial, remoto ou híbrido? Só conhecendo a realidade de cada bairro podemos planear com eficácia e tornar possível a transformação.

No fundo, o século das cidades é o século da ubiquidade. O verdadeiro desafio das próximas décadas será reconstruir os vínculos sociais à escala do bairro, utilizando a tecnologia não como fim, mas como meio para criar comunidades mais coesas, resilientes e felizes. A Cidade dos 15 Minutos é uma resposta à crise do tempo, da ecologia, da desigualdade e da fragmentação urbana. É uma visão para cidades à escala humana — onde podemos voltar a viver com tempo, significado e pertença.

Lisboa tem as condições para se tornar uma Cidade dos 15 Minutos? Os seus bairros estão preparados para acolher funções mistas, acessos suaves e uma vida comunitária vibrante? Que transformações seriam necessárias — no planeamento urbano, na política de transportes, no uso do espaço público — para aproximar a capital desta visão? E estamos dispostos, enquanto cidadãos e decisores, a alterar rotinas e prioridades para concretizá-la?

Gonçalo Carvalho Miguel

Responsável de Comunicação e Relações Institucionais da Laplace Real Estate Intelligence

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico