Mais Estado ou menos Estado na habitação?
Nos tempos da Guerra Fria, em que o mundo estava dividido entre adeptos do capitalismo e do socialismo, costumava-se contar esta história, passada na União Soviética: uma família russa é chamada ao Politburo do Partido Comunista para lhes ser comunicado que, finalmente, vão ter uma habitação. O diligente funcionário pergunta ao chefe de família qual a disponibilidade para ocupar a casa no dia 27 de Outubro de 2037, a que este responde com uma pergunta: “de manhã ou de tarde”? Em face da insólita resposta, o apparatchik desabafa: “Não estou a perceber. Estamos a falar de algo que só vai acontecer daqui a algumas décadas e você pergunta-me se vai ser de manhã ou de tarde”? “Tem de ser”, responde, “porque de manhã já marquei com o senhor do stand que me vai entregar o Lada”.
Em Portugal, embora a nossa paixão pelo socialismo e a extrema-esquerda esteja ainda a dominar a preferência da maioria do eleitorado que ainda vota, não chegámos ao ponto de ter de esperar décadas por um direito que, estando constitucionalmente consagrado, apenas abarca uma minoria socialmente desfavorecida, enquanto uma larga maioria (sobre)vive enterrada em prestações bancárias para o pagamento de um imóvel cujos juros e empréstimo serão liquidados ao fim de várias décadas. Paralelamente, também não estamos (ainda?) no ponto em que o Estado fiscaliza todos os movimentos da nossa vida, a troco da estabilidade de uma habitação, emprego e preços controlados, como acontecia nos regimes socialistas da então Europa de Leste.
É recorrente a discussão e a conversa sobre que papel é que o Estado deve ter nas nossas vidas e de que forma é que este organismo pode ou não ajudar na concretização dos objectivos de um povo e de um país, e nos direitos que todos temos em possuir uma habitação condigna.
Tenho para mim que, aqui em Portugal, os responsáveis políticos que nos governam desde sempre tendem a esquecer-se que o Estado só existe graças à estrutura da sociedade que foi criada e a quem compete, através das verbas arrecadadas pelos impostos, gerir sabiamente (por favor não sorrir) os recursos que lhe são confiados para o bem comum.
Hoje em dia, todos os números mostram que Portugal é alegremente conhecido como sendo um País de proprietários. Porém, esta alegria esconde a triste realidade de que estes proprietários são, na sua maioria, famílias que empenham os seus recursos durante décadas para assumir os encargos que celebraram com a Banca para a compra do imóvel.
Já aqui o escrevi no passado que, hoje em dia estamos na situação em que nos encontramos relativamente à habitação em Portugal porque foi sendo liquidada uma política passada de arrendamento que permitia às famílias mobilidade geográfica, independência financeira e, aos proprietários dos imóveis, o reconhecimento da sua importância para a vitalidade do mercado de habitação.
Actualmente, as rendas estão, como se sabe, proibitivas, os contractos de arrendamento promovidos pelos proprietários são leoninos (às vezes as condições são tantas que chego a pensar se um dia não irão pedir também para que os inquilinos possam doar um rim) e o Estado vai intervindo em políticas esparsas que, não resolvendo o problema de fundo, agravam a situação de proprietários, inquilinos e do próprio parque habitacional do País, com milhares de imóveis na posse de uma Banca falida ou fechados a sete chaves porque as famílias não se entendem nas heranças ou os proprietários não querem arrendar e comprar chatices futuras.
Mais do que mais Estado ou menos Estado, acredito ser necessário promover melhor Estado. Terei algumas ideias para partilhar convosco sobre isso num próximo artigo.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário