Apita o comboio
Nos grandes negócios, quando, muitas vezes, se trata mais de venda de empresas do que de activos imobiliários há, por norma, várias formas de estar presente. Idealmente, se conseguimos o pleno - termos uma das partes e somos nós a arranjar a outra - é bestial, mas infelizmente, muito raro. Na segunda opção, quando representamos um lado e a outra parte representa o outro, o comum é o negócio ser dividido em partes iguais. Numa terceira modalidade, quando apenas juntamos todos, acabamos por ir ou com um ou com outro ou, se os valores assim se justificam e as partes igualmente concordam, o negócio faz-se dividindo a comissão por três.
Há, no entanto, uma quarta opção, que acaba por ser a mais frequente, e que, na gíria, é conhecida como o comboio. O comboio surge no imobiliário quando recebemos de alguém um activo fantástico, que achamos que pode ser vendido rapidamente, porque conhecemos meio mundo e, como tal, espalhamos este activo pelos nossos contactos (os de confiança e, muitas vezes também, os outros). O problema, nestas coisas, é não cuidarmos de perceber bem de onde este vem e, quando começamos a montar o negócio, reparamos que em vez de três estamos trinta (um exagero de expressão, naturalmente).
Se, apesar disso, conseguimos estruturar bem a coisa, definindo ad initium as regras de partilha e de negócio entre todos, nomeadamente sabendo quem está com o comprador e quem está com o vendedor e o que cada uma das partes tem direito, admito que, mesmo com muitas dores de cabeça, stress e papelada (não necessariamente por esta ordem), até pode funcionar. O problema, como sabemos, é que nós até confiamos no nosso parceiro e este até confia no dele. Mas as terceiras linhas que não conhecem as primeiras podem deitar tudo isto a perder, inviabilizando um negócio que poderia ser bom para todos.
Os franceses têm uma expressão, que adoro, e que define muito bem o risco deste tipo de operações. Dizem os gauleses que, quando está a confusão instalada, c´est le bordel. E nestes casos, há todos os ingredientes para que o bordel, de facto, se instale: porque estão muitos interlocutores envolvidos, porque não há confiança entre as partes ou porque demora-se eternidades a juntar todos e, entretanto, o activo já foi vendido. Ou o potencial comprador desistiu.
Por outro lado, e quem anda nisto há algum tempo, percebe bem que se o mundo é uma aldeia, o sector imobiliário é uma rua ou, no limite, um prédio. Querem um exemplo? No outro dia, no espaço, literalmente, de 40 segundos, três parceiros da minha confiança reencaminharam-me, por WhatsApp, o mesmo activo, com a mesma mensagem. Falei com cada um deles, em separado, e todos tinham o mesmo em comum: o activo não estava a ser vendido por eles directamente, mas tinha-lhe sido passado por um amigo que tem um parceiro, que conhece o proprietário que vende o activo. Um comboio, portanto.
Dito isto, não quero que fiquem a pensar que sou incrédulo em relação aos comboios. Adoro-os, como meio de transporte. No que ao imobiliário diz respeito, são desafios que até podem correr bem, mas têm, infelizmente, todos os ingredientes para que tal não aconteça, fazendo-nos perder tempo e dinheiro.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário