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Opinião

 

A ferramenta é da comprativa

7 de março de 2022

Um dos vídeos históricos do Verão quente de 1975 diz respeito à sessão de esclarecimento que existiu na Herdade da Torre Bela, ocupada por populares após a revolução e que, em 2020, viu o seu nome voltar à ribalta pelo massacre indiscriminado de centenas de animais de por caçadores espanhóis.

Nesta sessão de esclarecimento um irredutível agricultor reclama perante Wilson Filipe, um dos protagonistas do vídeo, a quem cabia explicar à turba as vantagens de colocar a sua enxada ao serviço da cooperativa. No vídeo, o simples agricultor contesta o que lhe estariam a explicar e afirma: “Os outros, que não trazem ferramenta nenhuma, a ferramenta deles é da casa deles. E a minha fica da comprativa (sic). E a deles, que não trazem nenhuma para cá para trabalharem, nem querem trazê-las, que é para não levar descaminho, dão descaminho à dos outros e ficam com a deles e a dos outros”.

Lembrei-me desta história a propósito de algo que li por estes dias e que diz respeito ao reabilitar das cooperativas no que no sector da habitação diz respeito. Felizmente 2022 não é 1975, e parece que hoje em dia todos os intervenientes conseguem perceber as verdadeiras virtudes de uma cooperativa, sem cunhos ideológicos, que se destine, genuinamente, a servir os cooperantes que dela querem fazer parte.

Sendo a obtenção de habitação própria um problema crónico das grandes cidades, com a maioria das pessoas a ter dificuldades em suportar uma prestação bancária elevada para a compra de habitação própria e, nalguns casos, a não conseguir igualmente assumir os encargos fixos de um arrendamento, a cooperativa pode ser uma opção mais viável para inúmeras famílias que podem encontrar aqui a solução que lhes falta. Será, talvez, por isso, que têm surgido pedidos de filiação de cooperativas novas e igualmente de antigas que querem retomar a actividade.

Claro que, para efectivamente as cooperativas poderem funcionar e cumprir as funções para que são constituídas, será preciso um apoio precioso das Autarquias e do Estado, disponibilizando terrenos ou património devoluto para reabilitar para que o fenómeno das cooperativas possa ter pernas para andar e ser um sucesso. Pelo que também sei, o Instituto da Habitação e da reabilitação Urbana (IHRU) financia até 80% dos custos de construção durante a fase de obra, cabendo depois aos compradores amortizar esse valor através de créditos bancários (num cenário francamente mais competitivo e menos oneroso do que comprar “à cabeça” um imóvel).

Somado a tudo isto e havendo, principalmente nas grandes cidades, estruturas militares e industriais que estão completamente obsoletas, confesso-vos que não percebo o que é preciso ainda mais para que se possa cumprir o direito constitucional de todas as famílias terem uma casa em Portugal.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).