
Francisco Mota Ferreira
O teletrabalho ainda influencia a procura imobiliária?
Durante o Covid e os meses que se lhe seguiram assistiu-se a uma tendência interessante no que ao mercado imobiliário diz respeito: os terrenos, as ruínas e as chamadas casas da aldeia tiveram uma procura que até então não existia e criou-se uma nova centralidade com o repovoamento de zonas do interior. Com o fim da pandemia e o regresso à normalidade, destacaram-se duas novas tendências: a manutenção do teletrabalho em muitas empresas e a procura de imóveis onde o espaço exterior que o mesmo pudesse te influenciava muito o processo de decisão de compra.
Foram tempos de alguma euforia e otimismo. Chegou-se ao ponto de se apregoar o êxodo urbano definitivo, com as famílias a apreciar as benesses da vida no campo: o teletrabalho libertaria multidões do trânsito, as aldeias voltariam a pulsar e as cidades grandes perderiam o monopólio da habitação. E, de facto, olhando para trás, tudo parecia ir nessa direção. Entre 2020 e 2022, assistimos a uma corrida discreta ao interior: inúmeros concelhos de Portugal deixaram de ser meros nomes de localidades distantes para ganharem títulos nos jornais e na publicidade como cidades, vilas ou aldeias que eram os novos refúgios de quem estava em teletrabalho. Foi, em muitos casos, sol de pouca dura, quando, aos poucos, se começa a ver que muitas empresas estão tentadas a regressar ao modelo de trabalho tradicional com a presença a 100% no escritório.
A tentar contrariar esta tendência estão inúmeros jovens que, no mercado de trabalho e nas entrevistas de emprego que vão, impõe como condição ter um x número de dias em casa. Os que conseguem estão neste momento a viver o melhor de dois mundos, com uma realidade híbrida que mistura tempo de escritório e tempo em casa. Essa imensa minoria tenta opor-se às tentativas de regresso que muitas empresas estão a tentar voltar a impor que, neste processo de intenções, tem já tido amplos reflexos no mercado imobiliário.
Para além dos gastos adicionais que voltam a estar em cima da mesa para as famílias – combustíveis, portagens, passes sociais e também o tempo – o mercado imobiliário tem reagido a esse regresso da forma que se esperava, com a procura de T0 e T1 em Lisboa ou no Porto a voltar a subir, enquanto no interior volta a erguer-se a poeira sobre ofertas de T3. O que é, a vários níveis uma tragédia.
Do ponto de vista do povoamento do território, a imposição do trabalho presencial acaba por travar (ou fazer terminar) o desejo de mudança. A desertificação rural, um drama de décadas, exigia novos habitantes dispostos a viver longe das grandes economias de escala. Mas se o contrato de trabalho impõe regresso semanal à cidade, as casas reabilitadas no Alentejo continuam vazias e as aldeias com menos de 500 habitantes mal resistem. A ambição política de revitalizar o território esbate-se assim em folhas de Excel que não traduzem a realidade de quem precisa de escolas, centros de saúde e uma rede de internet decente para poder trabalhar.
Por outro lado, a obrigatoriedade da presença física no local de trabalho a 100% acentua a desigualdade em Portugal: só quem pode custear deslocações diárias ou viver perto de centros urbanos mantém acesso a oportunidades mais qualificados. Os que optaram pelo interior por razões económicas – clima mais ameno, custos mais baixos – ficam sujeitos às circunstâncias destas realidades.
Em contrapartida, o modelo híbrido continua a oferecer vantagens inegáveis ao permitir equilibrar eficiência e qualidade de vida, com o trabalhador a ter alguns dias no escritório e outros dias em casa. Para o imobiliário, isto traduz-se num mercado mais diversificado: cada concelho do interior que garanta boas ligações, espaços de cowork e serviços mínimos pode aspirar a atrair novos residentes.
Em última análise, a escolha entre regresso integral ao escritório ou teletrabalho depende da cultura organizacional, mas também da visão de futuro de cada região. Se as empresas insistirem no modelo rígido, as grandes cidades manterão o seu peso demográfico e económico, e as aldeias continuarão com o seu futuro adiado. Se optarem pelo híbrido – esse raro casamento de flexibilidade e presença periódica –, poderão contribuir para combater a desertificação e equilibrar o território.
Seria trágico que, em pleno século XXI, os Portugueses continuassem a migrar apenas para as grandes cidades ou para o litoral, quando a tecnologia lhes dá as ferramentas para trabalhar em qualquer lugar.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico