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Opinião

Francisco Mota Ferreira

O luxo e o lixo

27 de fevereiro de 2023

Há uns tempos atrás, um postde “O Agente Funini” no Facebook fez-me pensar. Quem acompanha esta página sabe bem o(s) seu(s) criador(es) têm duas qualidades notáveis: um sentido de humor impagável e a capacidade de, quando estão a falar a sério, acertarem mesmo no alvo.

O post que me chamou a atenção dizia respeito à suposta proliferação das imobiliárias dedicadas ao luxo, aqueles activos que qualquer consultor imobiliário ambiciona ter porque são os filet mignon que garantem as comissões mais chorudas. E, com sorte, a fidelização de clientes cujos bolsos parecem não ter fim.

Tenho defendido em diversos fóruns que das melhores coisas que o Imobiliário tem é a capacidade de não vetar a entrada a ninguém. Sendo, possivelmente, dos poucos sectores de actividade que, não tendo problemas em contratar, é também, como sabemos, um sector com uma enorme rotatividade de supostos profissionais porque nem todos têm a estaleca de ficar, no início, alguns meses sem receber qualquer tipo de rendimento.

Por outro lado, o Imobiliário é atractivo também porque é tão grande a multiplicidade de caminhos que podemos escolher para exercer esta profissão que, acredito, não estará por aqui ninguém contrariado porque só trabalha compradores ou vendedores, uma zona específica, investidores, fundos, negócios de milhares ou negócios de milhões.

E quando as coisas estão (mais ou menos) divididas, a coisa faz-se bem e é serena, como todos a saber encontrar o seu espaço. O problema, nestas coisas, é quando se misturam conceitos, estratégias e ideias e, de repente, o que ontem era válido deixou de ser.

Um exemplo prático neste tema dos negócios imobiliários de luxo. Hoje em dia, desceu-se de tal forma a fasquia que o imobiliário dos milhões devia ser objecto de um upgrade e ser apelidado de, pelo menos, superluxo. Esta elasticidade faz com que hoje, como dizia e bem O Agente Funini nesta publicação que me chamou a atenção, “um T2 na Verdizela, que há uns anos atrás era corriqueiro, agora é facilmente anunciado como T2 de luxo junto à praia. O apartamento é o mesmo, o que mudou foi a quantidade de pessoas que deixaram de o poder comprar e agora apenas sonham com ele”. E, acrescentaria eu, a tendência para a banalização do termo investidor que, pelos vistos, hoje em dia até pode ser aquela pessoa que afinal só quer mesmo comprar um T2 na Verdizela.

Infelizmente, os preços altos dos imóveis não explicam esta tendência de um falso upgrade ou o desejo de algumas lagartixas querem ser tomadas por jacarés. Consultores e agências anunciam para investidores imóveis de 100 mil euros ou comunicam que se dedicam ao mercado de luxo com angariações de 200 mil euros na Amadora.

Podemos sempre alegar que quem compra este tipo de activos até podem ser pequenos investidores e têm, como os outros, direito aos seus pequenos investimentos. Agora, como tão bem sabemos, isto é atirar areia para os olhos. Os verdadeiros investidores, dos negócios que começam nos seis dígitos, andarão sempre por aqui e não querem sequer saber da realidade dos T2 na Verdizela, que até pode ter uns acabamentos porreiros mas que, para estes, nunca será considerado verdadeiro luxo.

Com a carência actual que existe de encontrar imóveis a preços decentes para o comum dos mortais, com a construção dos imóveis de superluxo a manter-se ao ritmo existente, temo que, rapidamente, tenhamos todos que repensar tudo. Sob pena de o novo luxo poder ser considerado lixo. O que, convenhamos, é de uma enorme injustiça para os milhares de Portugueses que querem comprar uma casa e não conseguem fazê-lo porque o aumento absurdo do preço dos imóveis dos últimos anos não foi acompanhado por uma subida correspondente nos salários e/ou no nível de vida em Portugal.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)