O imposto mais estúpido do mundo
Em 2001, era António Guterres primeiro-ministro de Portugal, quando disse uma frase que ficou para a História. Falando sobre a então SISA, actual IMT - Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, classificou-o como o “imposto mais estúpido do mundo”.
Estúpido ou não, o facto é que, mais de duas décadas passadas, a suposta estupidez mantém-se. Alterou-se, entretanto o seu nome – talvez numa lógica simpática de mudar tudo para que tudo fique na mesma – e as premissas que o sustentam mantém-se inalteradas e, à luz de quem o cobra, mais do que justificadas. Senão vejamos:
Segundo dados do primeiro semestre deste ano, e em comparação com a última década, os Municípios nunca arrecadaram tanto dinheiro em impostos como na primeira metade deste ano. Entre Janeiro e Junho de 2022, a receita fiscal da Administração Local ultrapassou os 1,79 mil milhões de euros, sobretudo, à custa dos negócios imobiliários. Traduzindo por valores mais perceptíveis, isto dá qualquer coisa como 9,93 milhões de euros, em média, por dia!
O IMT, principal responsável pelo crescimento da receita fiscal do Poder Local, representou mais 301 milhões de euros às Autarquias nos primeiros seis meses deste ano, no que representa uma valorização de 51,8% face ao período homólogo do ano passado. (Por comparação refira-se que o IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis - cresceu 2.4%, apesar de haver cada vez mais municípios a baixar a taxa de IMI, consolidando-se nos 1,48 mil milhões de euros).
IMI e IMT são, a meu ver, fontes de receita que as Autarquias Locais não irão nunca prescindir, por mais epítetos e qualificações menos generosas que possam ser dadas em determinado momento, ou até quando tentam limitar a sua aplicação, como Lisboa tentou fazer recentemente, ao anunciar a proposta de isentar o IMT os jovens que comprassem casas na cidade até aos 250 mil euros.
O que, convenhamos, é pena. Porque Portugal tem já uma enorme carga fiscal sobre os seus ombros. Porque os salários são baixos. Porque a competitividade nacional anda pelas ruas da amargura. Porque os melhores de entre nós não hesitam quando lhes é dada uma oportunidade lá fora. Porque tantos outros fazem o mesmo e arriscam. E inúmeras outras razões poderiam ser aqui evocadas.
Centrando-me apenas aqui no IMT e no IMI, fica-se sempre com a sensação que é uma enorme galinha de ovos de ouro, uma milking cow usada a bel-prazer de estratégias políticas nem sempre claras ou sufragadas nas urnas pelos eleitores. E, se ainda há quem consiga encontrar algum argumento que sustente o IMT – porque é o imposto pago pelo comprador aquando de uma transmissão onerosa de compra e venda de um imóvel – a discricionariedade que é aplicada ao IMI deixa a sua eventual justiça muito a desejar.
Afinal, ao pagar anualmente um imposto de um imóvel que já é meu pode ser alvo de críticas, o coro de reclamações terá sempre tendência a aumentar quando se percebe que, na mesma rua, duas casas podem pagar mais ou menos IMI consoante as varandas, a vista ou os extras.
Tenho, por isso para mim que o IMI e o IMT só farão sentido quando deixarem de servir para as ambições das Autarquias Locais em obter receita rápida e fácil e passarem a ser usados para que as cidades possam melhorar como um todo, como, por exemplo, para contribuir para melhorar a sua sustentabilidade urbanística, renovar infraestruturas básicas e pensar no futuro das cidades inteligentes. Mas isso era pedir muito não era?
(Porque nos aproximamos do dia 25 de Dezembro, não posso deixar de evocar a época festiva que vivemos para desejar a todos os que vão tendo a paciência de me ler por aqui um Feliz Natal).
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio).