Necessidade de Comunicação Prévia para (i) Junção de Frações Autónomas e (ii) Alteração da Utilização: Considerações Finais
A junção de frações autónomas é um processo que, em termos de documentação e procedimentos legais, pode levantar dúvidas quanto à necessidade de apresentar uma comunicação prévia junto da competente câmara municipal e à sua aplicação prática.
1. Licença de Utilização e Comunicação Prévia
O artigo 59.º do Código do Notariado estabelece que as escrituras de constituição (e alteração) da propriedade horizontal só podem ser lavradas se for junto documento, passado pela câmara municipal, comprovativo de que as frações autónomas satisfazem os requisitos legais para serem constituídas no regime de propriedade horizontal.
Para prédios já construídos, a licença de utilização é um documento importante, pois certifica que as frações estão em conformidade com os projetos arquitetónicos e de especialidades, que foram aprovados pelas competentes camaras municipais em conformidade com as normas legais e regulamentares.
Curiosamente o SIMPLEX Urbanístico (Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro) prevê expressamente a eliminação do alvará da licença utilização (e de construção), passando todas as referências legais e regulamentares ao alvará da licença de utilização serem entendidas como efetuadas ao recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas (passando este a ser o novo “papel”!).
No contexto da junção de frações autónomas, a legislação não permite substituir a licença utilização por um projeto de alteração aprovado. Portanto, para formalizar a escritura de junção de frações autónomas, ainda há quem entenda que o documento, passado pela câmara municipal continua a ser necessário, ou pelo menos a referida comunicação prévia.
2. Uso da Comunicação Prévia
No entanto, as recentes alterações do SIMPLEX Urbanístico vieram permitir que, a alteração da utilização de edifícios ou frações, possa ser feita apenas por meio de comunicação prévia (e, portanto, sem operação urbanística prévia sujeita a controlo prévio). Essa comunicação deve ser acompanhada de um termo de responsabilidade que ateste a conformidade e idoneidade para a utilização pretendida. A utilização é permitida 20 dias após a submissão da comunicação, salvo se a Câmara Municipal exigir uma vistoria.
Acresce que, no caso específico da junção de frações autónomas, onde não há uma alteração significativa na utilização do imóvel, mas sim a modificação da configuração das frações, a exigência de uma comunicação prévia pode não ser aplicável – dado que o processo de junção de frações autónomas não se enquadra nos procedimentos de alteração de uso que requerem uma comunicação prévia nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
3. Alteração do Uso para Habitação
Outra questão será a alteração do uso de frações autónomas para habitação, dado que tal alteração, atualmente, (i) não requer autorização dos restantes condóminos; mas (ii) o condómino que altera a utilização deve fazer a correspondente alteração no título constitutivo através de escritura pública ou documento particular autenticado; sendo que (iii) esta escritura ou documento deve ser comunicado ao administrador do condomínio no prazo de 10 dias.
No caso específico da alteração do uso de frações para habitação já será necessário desencadear os respetivos (iv) procedimentos urbanísticos para assegurar a conformidade com a legislação da propriedade horizontal e a alterar utilização da fração junto da câmara municipal.
4. Conclusão
Ou seja, por um lado, para a junção de frações autónomas, a legislação em vigor não exige a apresentação de uma comunicação prévia à Câmara Municipal, uma vez que o processo não implica uma alteração significativa no uso do imóvel, mas sim uma modificação na configuração das frações.
Por outro lado, a comunicação prévia é relevante para alterações no uso de edifícios e frações, como a mudança para uma nova utilização para fins habitacionais (mas já não para a junção de frações).
No entanto, tanto para alterações no uso de frações para habitação como para a junção de frações, é necessário proceder à atualização do título constitutivo e à respetiva comunicação ao administrador do condomínio, sendo que até há conservadores do registo predial que exigem que tal registo seja acompanhado com comprovativo de efetivação da referida comunicação.
Em suma, a simplificação dos procedimentos tanto para alteração do uso de frações para habitação como para a junção de frações – retirando a obrigatoriedade da aprovação prévia de todos os condóminos -, oferece claros benefícios, entre outros, aos investidores. Por outro lado, e apesar disso, ainda persiste uma dose de incerteza quanto à segurança jurídica, aplicabilidade prática e durabilidade destes novos procedimentos - o que, infelizmente, poderá gerar um efeito inverso.
Nuno de Mendia – Associado Sénior da J+Legal – Sociedade de Advogados; e
Pedro Caçador Faria - Associado da J+Legal – Sociedade de Advogados;
Texto escrito com o novo Acordo Ortográfico