Lisboa vai às compras
Antes de tudo o mais que possa escrever de seguida, deixem-me partilhar convosco uma declaração de interesses: tenho em boa conta o Presidente da CML, Carlos Moedas, e a sua vereadora com a tutela da Habitação, Filipa Roseta, a quem reconheço competência e vontade de mudar o paradigma da cidade de Lisboa no que à Habitação diz respeito.
Dito isto, foi, confesso, com alguma estranheza que vi as notícias na semana passada, que dão conta que que a Autarquia Lisboeta vai avançar com consulta ao mercado para compra de imóveis a privados. Pelo que percebi, do que fui lendo por estes dias, a ideia passa por, numa fase inicial, avançar com um investimento de 15M€, que serão financiados via PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e serão privilegiados imóveis - edifícios ou fogos autónomos – que possam ser usados no imediato ou até mesmo que necessitem de obras de reabilitação ou de conservação, dando a CML preferência por prédios inteiros, "livres e desocupados de pessoas e bens", segundo se lê na proposta.
A medida, aprovada na semana passada individualmente, fazia parte de um conjunto de outras incluídas na Carta Municipal de Habitação, apresentada pelo presidente da autarquia, mas, entretanto, chumbada pela oposição camarária.
Dizia-vos eu que me causou alguma estranheza e, em breves linhas explico o porquê. Lisboa é proprietária de incontáveis imóveis na cidade de Lisboa. Alguns estão ocupados, outros estão ocupados e a precisar de obras e há muitos vazios. Diga-se, também, que nunca vi tanto como agora a Gebalis (empresa municipal que é o “braço armado” da CML para as questões da Habitação) a trabalhar, nomeadamente na reabilitação do património municipal. Ainda recentemente, a CML, através de um contrato programa, dotou a Gebalis de 100M€ para a reabilitação de bairros municipais, algo que, diga-se em abono da verdade, esta empresa tem feito de forma algo afincada nos últimos tempos – só no último ano foram reabilitadas 327 habitações em Lisboa.
Acho muito bem que Lisboa vá às compras e que adquira mais imóveis para suprir as mais que evidentes carências habitacionais da cidade e de quem se viu forçado nas últimas décadas a sair de Lisboa e ir viver para a periferia. Com sorte, a médio prazo, esta estratégia vai trazer, não apenas mais pessoas para viver na cidade como, com muita sorte, fazer baixar o preço das habitações porque a CML assume-se como um sério player no mercado.
Só espero, sinceramente, que esta intenção de compra esteja interligada numa estratégia maior que passe, nomeadamente, pela reabilitação total de todo o património da CML, em uso ou desocupado e que, já agora, seja colocado no mercado o mais rapidamente possível. Como tenho dito e repetido em diversos fóruns, se não existir uma estratégia integrada, que junte os vários stakeholders - Estado, promotores, particulares, Fundos, empresas, etc. – corre-se o risco de todo este património que venha a ser adquirido pela Autarquia acabe por se juntar aos incontáveis prédios e fogos autónomos que estão ao abandono à espera que alguém tome a decisão política que há anos é uma prioridade.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)