
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil
Gestão da Construção com Blockchain
Blockchain é um sistema tecnológico que permite armazenar dados de forma descentralizada, sendo a informação registada e encriptada, bem como acessível, inalterável, auditável e rastreável, segundo regras e algoritmos pré-definidos.
Embora o setor financeiro tenha sido a principal referência na aplicação desta tecnologia, através das chamadas criptomoedas, a blockchain também pode ter especial interesse para o setor da construção, a vários níveis, atendendo a fatores como a fragmentação e complexidade da sua cadeia de valor, que é composta por múltiplas fases e intervenientes; a propensão para conflitos contratuais e atrasos nos pagamentos; as diversas exigências regulatórias, principalmente no domínio da segurança, ambiente e licenciamento de obras, e a necessidade de rastreabilidade de materiais e certificações; e a pressão por uma maior eficiência por meio da digitalização de processos.
Neste contexto, a blockchain potencia um conjunto de vantagens para a Construção, destacando-se: o registo unificado, permanente e partilhado, em tempo real, entre todos os intervenientes, reduzindo os erros de comunicação e a duplicação de informação e permitindo a consulta rápida do histórico dos registos em qualquer momento; a realização automática de verificações, aprovações e pagamentos a projetistas, empreiteiros e fornecedores, através de contratos autoexecutáveis denominados por “smart contracts”; a validação rápida de certificações técnicas, licenças, auditorias ambientais e normas de segurança; o controlo de qualidade dos materiais de forma precisa, desde a origem até à instalação, registando certificados, datas, aprovações e responsáveis e verificando a sua conformidade contra os requisitos de projeto; e a digitalização segura e autenticada de registos (e.g. decisões e versões de projeto), reduzindo o papel e a burocracia e aumentando a proteção contra acessos e alterações não autorizadas.
Na realidade, existem já vários casos de aplicação à Construção, destacando-se exemplos de empreiteiros no Japão, relacionados com a verificação de materiais e certificações de acordo com os requisitos do cliente e da legislação em vigor, abrangendo o domínio da sustentabilidade ambiental; e nos EUA, EAU e Índia, relacionados com a gestão documental (e.g. contratos, licenças, relatórios) e o registo de atividades e alterações relevantes, favorecendo assim um histórico mais completo e auditável das obras.
Não obstante, existem vários desafios ao avanço da blockchain na Construção, como a falta de conhecimento e formação juntamente com a diversidade de métodos e técnicas disponíveis para a sua implementação; a falta de regulamentação e legislação específicas; as dificuldades de integração com os sistemas tradicionais; e os elevados custos iniciais e de manutenção, acrescidos da dificuldade em estimar o retorno do investimento.
As possíveis medidas para mitigar estes desafios são diversas, ao nível governamental e organizacional, incluindo a formação e capacitação dos profissionais e empresas do setor; o desenvolvimento de normas técnicas e legais e a realização de projetos-piloto para atender a questões jurídicas, particularmente no domínio dos “smart contracts”; e a criação de incentivos fiscais e financeiros para a digitalização e aplicação da tecnologia blockchain.
Posto isto, a introdução da blockchain no setor da construção representa um avanço tecnológico com impactos económicos, sociais e operacionais significativos. Economicamente, ao melhorar a gestão de contratos e os fluxos financeiros, pode reduzir custos associados a erros, fraudes, burocracias, litígios e ineficiências. Socialmente, aumenta a transparência e confiança entre os vários intervenientes num projeto, favorece a segurança dos trabalhadores (e.g. via certificações rastreáveis) e contribui para práticas mais éticas e sustentáveis (e.g. através do rastreio da pegada ecológica dos materiais e do cumprimento de requisitos ESG). Operacionalmente, promove a transição digital, a automação e a inovação, mitigando assim desafios como a escassez de mão-de-obra e a crescente necessidade de edifícios e infraestruturas.
De facto, espera-se que a taxa de adoção global da tecnologia blockchain na Construção cresça significativamente nos próximos anos, à medida que o setor evolui para modelos mais digitais, colaborativos e eficientes. Tal dependerá, contudo, das necessárias adaptações de processos, normas e mentalidades, num setor tradicionalmente resistente à mudança.
Bruno de Carvalho Matos
Engenheiro Civil
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico