
Francisco Mota Ferreira
A (ligeira) queda das rendas
Com o turbilhão mediático que vivemos nos últimos dias, esta notícia passou quase despercebida, mas, ao que parece, fazendo fé ao Índice de Rendas Residenciais da Confidencial Imobiliário, divulgado na semana passada, as rendas contratadas caíram 1,5% em Lisboa e 0,3% no Porto até março. Uma queda que foi tão discreta que só mesmo aqueles que vão ver ao cêntimo as contas bancárias terão dado por este alívio…
Mas, se não haverá necessidade de sermos tão cáusticos, também não será ainda motivo para soltar foguetes de alegria, embora seja, ao que tudo indica, o segundo trimestre consecutivo de descida nos valores praticados nos novos contratos, sinalizando um abrandamento após anos de aceleração intensa. Precisamos, por isso de olhar para a floresta e não nos focarmos na árvore, recordando que desde o início da pandemia, as rendas subiram 43 %, atingindo 16,6€/m² em março de 2025, de acordo com um estudo do idealista. É certo que os valores agora em causa são apenas 1.5% e 0.3%, mas, se se confirmar a descida nos próximos meses, podemos estar a assistir, finalmente, a uma tendência.
Não obstante, esta narrativa de abrandamento convive com alguns sinais contraditórios. Por um lado, o “stock” disponível para arrendar em Portugal cresceu 49 % no primeiro trimestre de 2025 face a 2024, refletindo uma recuperação da oferta que dera sinais de escassez nos anos anteriores, conforme pudemos ler aqui recentemente no Diário Imobiliário. Mas, por outro lado, cerca de 9 % dos imóveis anunciados no idealista foram reservados em menos de 24 horas, demonstrando que a procura continua muito ativa e seletiva, sobretudo nos segmentos de gama média e alta.
Para proprietários e investidores, esta fase pode ser vista como um convite à cautela e à ponderação: os rendimentos brutos de arrendamento mantêm-se atrativos, mas é prudente rever as expectativas de valorização rápida. A correção de preços reduz — ainda que ligeiramente — a pressão para aumentos automáticos de renda na renovação de contratos, e obriga a maior rigor na avaliação de riscos e no planeamento de portefólio. Por outro lado, para os inquilinos, a conjuntura traz algum alívio, mas confiança condicional. Basta só pensarmos que, de acordo com a Deco os pedidos de ajuda para pagar a renda aumentaram 67 % no primeiro trimestre de 2025 face a igual período de 2024.
Esta ligeira descida das rendas em Lisboa e Porto no início de 2025 é, muito provavelmente, um sinal de estabilização num ciclo extremamente dinâmico. Porém, não altera de forma profunda as condições de mercado que têm vindo a caracterizar o arrendamento urbano em Portugal. Para todos os intervenientes — investidores, proprietários, inquilinos e decisores políticos —, o desafio mantém-se: encontrar o equilíbrio entre rendibilidade, acessibilidade e sustentabilidade de um parque habitacional ainda por regular de forma eficaz.
Pode ser que o próximo Governo traga, finalmente, alguma luz sobre esta matéria para que não caiamos no exagero britânico profetizado há uns meses no The Economist: “If you can´t find a house to rent, blame the government”.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico