Enquanto não se aumentar a oferta ajustada aos rendimentos das famílias não haverá uma solução sustentável de habitação
A questão da acessibilidade da habitação está no desequilíbrio entre os valores dos imóveis disponíveis para venda e a capacidade financeira da maioria das famílias, revela Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal.
Sobre o estudo hoje divulgado pela Century 21 Portugal, relativamente ao estado da habitação em Portugal, o responsável admite que é imperativo estimular uma reflexão conjunta para se encontrarem as soluções necessárias. Em entrevista ao Diário Imobiliário, Ricardo Sousa garante que o acesso à habitação é um dos maiores desafios que Portugal tem pela frente.
Quais as expectativas que o sector pode ter com o novo ministério da habitação para melhorar os problemas da habitação em Portugal?
A acessibilidade da habitação é um dos maiores desafios que o país tem pela frente, para os próximos anos. Por isso, é imperativo estimular uma reflexão conjunta para se encontrarem as soluções necessárias, para as quais é determinante o envolvimento de todos os stakeholders do sector imobiliário, numa lógica estruturada de longo prazo, para uma nova visão para a habitação em Portugal.
O nosso contributo neste processo, passa também pelo investimento em investigação e estudos sobre o mercado imobiliário, para gerar níveis mais elevados de conhecimento, concreto e fundamentado, sobre os principais aspectos que influenciam o mercado imobiliário residencial, para que todas as partes interessadas possam tomar decisões mais informadas, que permitam criar uma nova visão, sustentada e de longo prazo, para a habitação em Portugal.
A falta de oferta, a inflação, o aumento das taxas de juro, são algumas das causas dos problemas actuais que o sector enfrenta hoje. Como ultrapassar estes obstáculos?
Os bancos centrais estão empenhados a controlar a inflação e esta semana o BCE volta a subir as taxas juros e deixa o alerta que esta política irá continuar, com o objectivo de baixar a inflação. Consequentemente, estas subidas das taxas de juro vão necessariamente contribuir para arrefecer o mercado imobiliário, afastando muitos compradores do mercado e aumentando o tempo médio de venda dos imóveis.
Quanto à oferta, este estudo evidencia que a principal solução para resolver a questão da acessibilidade da habitação está no acentuado desequilíbrio entre os valores dos imóveis que estão disponíveis para venda e a capacidade financeira da esmagadora maioria das famílias. Esta situação só se consegue inverter com uma alteração significativa da oferta. Enquanto não se aumentar o fluxo de imóveis disponíveis para venda ou arrendamento e ajustados aos escalões de rendimento das famílias portuguesas, não será possível ter uma solução sustentável em matéria de habitação acessível.
Neste âmbito, é importante a criação de incentivos para estimular o sector privado a colocar no mercado uma maior oferta de soluções habitacionais, em linha com a capacidade financeira das famílias, que ajudem a minimizar este desequilíbrio de imóveis para a classe média.
Para dar resposta às necessidades de habitação nas cidades com maior concentração da população é fundamental criar uma estratégia de mobilidade intermunicipal e intermodal, que integre transportes, serviços e infraestruturas de apoio aos milhares de cidadãos que necessitam de se deslocar entre os concelhos da AML e AMP, numa visão metropolitana e integrada de políticas de habitação, transportes e infraestruturas.
Neste âmbito, é muito importante avançar para uma maior agilização dos processos de licenciamento, para a revisão dos PDM das cidades que - estão desactualizados e desfasados do contexto sociodemográfico atual - e do REGEU.
Também considero fundamental a implementação metodologias mais inovadoras na indústria da construção que tornem o ciclo construtivo mais eficiente - industrialização da construção, produção off site, técnicas de construção sustentável que garantam menor impacto ambiental, maior eficiência energética às habitações, e mais resiliência às alterações climáticas - ao mesmo tempo que se diminuem tempos de licenciamento, de edificação e, consequentemente, se ganha escala e competitividade nos valores construtivos.
Por último, e não menos importante, é preciso olhar para as políticas fiscais, tendo em conta a elevada carga fiscal inerente aos processos da cadeia de valor da construção.
Como a mediação tem contornado a falta de acesso dos jovens à habitação sobretudo nas grandes cidades?
Em Portugal, a emancipação dos jovens faz-se cada vez mais tarde e supera já os 30 anos. O acesso a uma casa própria vem, normalmente, associado ao início de uma vida de casal, ou em casa partilhada com amigos, e com o apoio dos pais. Para muitos, a solução passa por alargar o perímetro de procura para zonas mais periféricas e casas mais pequenas.
O mercado de arrendamento continua a não ser atractivo, nem mesmo com as políticas do arrendamento acessível, o que é necessário mudar?
O mercado de arrendamento em Portugal é ainda bastante subdesenvolvido em comparação com outros países europeus. Para se conseguir desenvolver este tipo de solução habitacional é fundamental combater os elevados níveis de informalidade registados no mercado de arrendamento nacional, não só para proteger os inquilinos, como para estimular os pequenos proprietários a colocarem os seus imóveis no mercado formal de arrendamento e atrair os grandes operadores a realizarem investimentos, com escala, em soluções de arrendamento compatíveis com o rendimento disponível das famílias portuguesas.
O Built to rent é uma solução muito interessante para as cidades com maior densidade populacional, como Lisboa e Porto, e também para outras cidades universitárias, como por exemplo, Coimbra, Aveiro, Leiria, Braga.
Porém, para a implementação em escala destas soluções, os operadores de mercado precisam de previsibilidade, em termos de regulamentação do mercado e de estabilidade das políticas fiscais.
Como pode ser aplicado o PRR na política de habitação?
Seria fundamental que o Estado desenvolvesse mais políticas de habitação social para a proteção das famílias carenciadas, cujos rendimentos não permitem aceder a soluções habitacionais condignas, face aos actuais valores de mercado.
Estas medidas de habitação social, incluindo o aumento do parque de imóveis de habitação social, irão também contribuir para retirar pressão no segmento de imóveis de valor mais reduzido e em linha com o poder de compra da classe média.
Devia aproveitar-se melhor a malha urbana das cidades e regenerar espaços públicos para criar novas soluções de habitação em zonas das cidades ainda passíveis de serem dinamizadas. É fundamental mobilizar e trabalhar com proprietários de terrenos e prédios devolutos, ou subocupados, para potenciar novas soluções de habitação e a colocação de mais imóveis no mercado. Podem-se converter espaços não residenciais, sem utilização, no centro das cidades em soluções de habitação acessível.
Para além disso, seria fundamental avançar para a agilização dos processos de licenciamento, a revisão dos PDM das cidades - que na sua esmagadora maioria estão desatualizados e desfasados do contexto sociodemográfico atual - e do REGEU.
https://www.diarioimobiliario.pt/Estudo-da-Century-21-revela-deterioracao-no-acesso-a-habitacao