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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Dizer a verdade

2 de setembro de 2024

Há uns dias, o Agente Funini lançou um repto no Facebook onde instava os seus seguidores a revelarem qual é a maior mentira no imobiliário. A provocação estava interessante, as respostas também e tenho a certeza que, quem anda por este sector, se reviu nos imensos comentários escritos, alguns com muita mordacidade e sentido de humor.

No meio de tudo isto, eu, que semanalmente tenho o compromisso de escrever sobre o sector, e certamente que inspirado pelo Funini, dei por mim a ter a ideia de escrever esta semana sobre como seria o Imobiliário se todos os que por aqui andam dissessem a verdade.

E se verdadeiro começaria logo pelo consultor não entrar a pés juntos, quando está a tentar angariar um imóvel, e anunciar ao potencial cliente que tem já uma ou várias pessoas interessadas na casa que ainda nem sequer viu por dentro. Todos sabemos que, na maior parte dos casos, esta é uma mentira, piedosa é certo, mas uma intrujice que é usada tantas vezes para tentar angariar o ativo que o desgraçado do consultor que, por acaso, até tem mesmo esse cliente, vê a sua credibilidade posta em causa por tantos outros que inventam realidades alternativas.

Depois, angariado que está o imóvel, podia-se dizer a verdade interpares. Uma verdade que poderia passar, por exemplo, pela assunção de que aquela empresa ou aquele consultor não gosta de fazer partilhas, ou que, mesmo estando a casa no mercado há já algum tempo, essa continua a ser a sua opção. Isso evitaria tanto mal-estar e tantas aldrabices ditas e que são facilmente desmontadas. Como, por exemplo, quando se volta a ligar para a mesma pessoa e nos identificamos como potencial cliente. A casa, miraculosamente, já está disponível e o interesse em realizar uma visita que, até então, era impossível, passa a ser real.

Podia-se também dizer a verdade ao cliente durante o processo em que o consultor está a tentar vender a casa. E revelar que, dos 500 portais onde a casa vai ser divulgada, se calhar apenas interessam 5. Ou que o investimento de várias centenas ou milhares de euros que é feito em marketing afinal se traduz nuns posts nas redes sociais. E, já agora, dizer também a verdade em relação às visitas, às propostas e às parcerias, para que o cliente possa estar na posse de todos os dados e poder decidir em conformidade. E, no limite, poder trocar de consultor se perceber que o profissional contratado está aquém daquilo que foi lhe dito na altura da angariação para conseguir ter o contrato assinado.

Ainda em termos de verdade, podíamos também ter as marcas e os consultores a ter uma comunicação verdadeira, que ilustrasse a forma como estas trabalham, e não números atirados para o ar que são fruto de imaginações prodigiosas ou de complexos de megalomania: top 5 nacional, vendemos a sua casa em dois dias, vendemos um imóvel por hora, etc. Uma verdade que começaria logo no processo de recrutamento dos consultores explicando-lhes que não é complicado exercer esta profissão, mas que não é fácil: exige trabalho, dedicação, vontade e muita resiliência para aguentar a incerteza do primeiro cheque e a dúvida dos outros que se lhe seguirão.

Se o sector atuasse com base na verdade, acredito que a sua reputação e credibilidade não só seriam muito maiores como estariam muito melhores. Infelizmente, visto de fora, o imobiliário é uma atividade onde há a perceção que se pode ganhar imenso dinheiro, onde  qualquer pessoa pode fazê-lo e que todos estamos apenas a um passo de sermos potenciais milionários e viver uma vida de glamour apenas porque sabemos abrir portas, temos blá blá blá ou uma figura jeitosa. Algo que, como sabemos, não é justo nem correto para os muitos milhares de profissionais que, diariamente, dão o litro para que a profissão de consultor imobiliário seja respeitada e tenha credibilidade. Se calhar, começar por dizer a verdade até poderia ajudar. Não?

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico