CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

João Sousa, CEO JPS Group

Construção em Portugal: não chega “apenas” ser bravo e resiliente

6 de dezembro de 2023

A construção de casas em Portugal é uma tarefa complexa, demorada e burocrática, o que dificulta muito a atividade da promoção imobiliária, e é esse um dos principais motivos para haver pouca obra nova em Portugal. Desde a aquisição do terreno até à entrega da casa, são anos de desgaste e muitas etapas a serem seguidas. Os problemas são significativos na obtenção de licenças, por um lado porque existe uma burocracia excessiva, por outro porque as entidades licenciadoras não têm pessoas suficientes nos serviços para poderem dar resposta rápida; e, também, porque ainda existem muitos organismos a aceitarem apenas os licenciamentos em formato papel com apoio digital, o que leva a gigantes arquivos que têm que ser organizados e consultados, sempre que estão a dar andamento a um processo. A acrescer a estas dificuldades, temos os elevados custos de construção, que vão subindo ao longo do tempo, e um projeto que é viável economicamente aquando do início do processo, pode tornar-se inviável quando finalmente consegue a licença para construir.

Entrando um pouco mais em detalhe, para se entender a complexidade de todas as fases de licenciamento, para se iniciar uma construção é preciso passar por uma série de processos burocráticos para legalizar a obra e viabilizar a construção. Em geral, esses processos são demorados e complicados, e aumenta a dificuldade o fato de nem todos os municípios funcionarem da mesma forma.

Em relação ao pedido de Licença de Construção, podemos submeter o processo via licenciamento de arquitetura, ou através do pedido de informação prévia à câmara municipal, onde se adquiriu o terreno. Existem várias etapas a ultrapassar, aumentando o grau de dificuldade quanto mais inicial estiver a fase do processo. Se o terreno for urbanizável, e ainda não estiver loteado, então há que passar várias etapas e destaco algumas como: fazer o levantamento topográfico, o projeto de arquitetura, consulta a várias outras entidades licenciadoras, dependendo do terreno e da localização poderá ter que passar pela aprovação prévia da APA (Agência Portuguesa do Ambiente); têm que ser feitos e previamente aprovados por cada entidade, os projetos de especialidade para os esgotos, águas, gás, eletricidade, comunicações, e depender em termos de tempo das respostas das entidades. Se pedirem alguma alteração, pode representar meses de atraso, pois sempre que existe alguma solicitação relativa ao projeto, o proponente tem que ser notificado, depois retificar, voltar a submeter, etc., tantas vezes quantas houver solicitações. A câmara analisa os projetos de obras de edificação, solicita alterações, avalia, e decide atribuir ou não a licença de construção, esta parte do processo carece frequentemente de muitas alterações e de reuniões várias e pode demorar anos a ser concluído.

Além da burocracia documental, também é necessário respeitar as normas urbanísticas, ambientais, de segurança, de acessibilidade, entre outros, que variam consoante o município ou a freguesia. Estes processos envolvem várias entidades, tais como, a câmara municipal, a autoridade tributária, as empresas de fornecimento de eletricidade, gás, água e saneamento, de gestão da rede elétrica, os bombeiros, entre outros, e podem, como referi anteriormente, demorar meses ou até anos para serem concluídos. A demora na concessão de licenças e certificados torna o ciclo de investimento mais longo e incerto. Seria benéfico tanto para investidores como para consumidores, que o tempo de licenciamento e de construção fosse reduzido. Dessa forma, o setor seria mais dinâmico, com uma oferta maior de imóveis novos e a preços mais acessíveis.

Quando obtemos finalmente a Licença de Construção (LC), os custos do projeto já nada têm a ver com o planeamento inicial. Por um lado, porque durante estes anos de aprovação, existem custos associados às equipas do projeto e ao próprio licenciamento, e quanto mais tempo as aprovações demorarem, mais gastos o promotor tem, com retornos adiados. É uma fase de investimento puro sem qualquer retorno. Por outro lado, porque os custos de construção em Portugal são elevados, devido ao preço dos materiais e ao custo da mão de obra, mas, também devido ao valor do terreno, à área bruta de construção, à localização do imóvel, à qualidade dos materiais, ao tempo de construção, às licenças, etc. Também a elevada carga fiscal no setor imobiliário residencial (IVA de 23% não dedutível, AIMI, IMT, imposto de selo, taxas de licenças e certificados, etc.), se vai refletir no preço final de uma casa.

Segundo, o SICC - Sistema de Informação de Custos de Construção em 2022 os custos de construção de habitação no país aumentaram 23%, cujo custo médio foi de 1.495 €/m², face aos 1.214 €/m² registados em 2021. Ou seja, um projeto iniciado, por exemplo, em 2020, que só seja aprovado em 2022 ou 2023, sofrerá logo à partida um aumento de custo na ordem dos 30%.

Além de tudo o que foi referido, a escassez de mão de obra qualificada no setor da construção civil em Portugal é uma realidade. Esta situação agravou-se com a emigração dos portugueses, o envelhecimento dos trabalhadores, a falta de talento mais jovem para um setor que não é visto como atrativo, a falta de qualificações e de formação, entre outros. A CPCI estima que faltam 80 mil trabalhadores para dar a resposta necessária ao setor. A carência de trabalhadores é um problema para o setor, por atrasar as obras, aumenta os custos de construção e dificulta encontrar profissionais ou empresas de construção subcontratadas que possam executar as obras.

Todos estes fatores, entre outros não abordados, para não me alongar mais, condicionam o início e a conclusão dos projetos residenciais e prolongam a sua execução no tempo. Como consequência, os preços das casas continuam a aumentar e a oferta habitacional é escassa.

Associa-se na generalidade, muito em termos de opinião pública, esse aumento do preço das casas à especulação imobiliária e à margem de lucro dos promotores, quando na realidade é preciso ser muito bravo e resiliente para fazer promoção imobiliária em Portugal. Além ter que ser muito prudente e estar financeiramente precavido, por ter que contar com a dureza dos elevados custos diretos e indiretos de um projeto imobiliário: o custo do terreno; os impostos associados à compra; o custo do processo de arquitetura, o de licenciamento; as cedências à autarquia; as diversas taxas, e as elevadas cauções para loteamento que têm que ficar retidas até à conclusão da construção. Por tudo isto, associado ao longo tempo de espera, uma grande parte de quem se aventurou por esse caminho acaba por desistir, vendendo o projeto quando consegue finalmente licenciar; ou mesmo, como ainda vai acontecendo, perdendo os projetos, e por isso existem muitos projetos que foram abandonados, ou perdidos para entidades credoras, ou construções que ficam por acabar.

E este problema estrutural da falta de habitação tende a agravar-se com a falta de medidas governativas que estimulem a construção, nomeadamente, e das mais importantes de momento: um regime fiscal mais baixo e adequado ao setor, pois não faz sentido a reabilitação ter uma taxa de IVA a 6% e a obra nova ter que pagar 23%; maior celeridade dos procedimentos administrativos e atribuição de licenças/certificados para fazer avançar os projetos; apostar na formação de jovens para profissionalizar o setor, valorizar mais a profissão da construção civil, já que talvez seja uma das mais bem pagas agora e continua a ser, por puro preconceito, uma opção de recurso, quando poderia e deveria ser uma opção válida e de primeira escolha, para que tivéssemos profissionais mais qualificados.

Por exemplo, a título de curiosidade, um bom encarregado da construção civil, ganha em média o dobro de um professor, ou até de um arquiteto e engenheiro, e vezes há que chega a ganhar o triplo. Mesmo assim, com estas condições, é uma profissão com muita procura e pouca oferta, e é para este tipo de coisas que o governo deve olhar. Apostar na formação nesta área, abrir cursos técnicos com estágio integrado para candidatos com ou sem habilitações literárias superiores, poderia ajudar muito quem procura uma profissão estável e bem remunerada, e simultaneamente ajudava, e muito, o setor.

Várias medidas, algumas de grau relativamente fácil implementação, que tornariam o setor mais competitivo e capaz de dar resposta à procura elevada de habitação.

Na JPS Group, tendo mais de 2500 casas em várias fases do processo, desde aprovação de loteamentos a casas já escrituradas, sabemos o quão difícil é todo o percurso, mas continuamos, quer nós, quer os clientes que nos acompanham, a aguentar estoicamente as várias batalhas que vamos tendo que travar até ao momento da entrega da chave. E é um pouco isto que é ser Promotor Imobiliário em Portugal, pelo que quando dizem que há poucas casas novas no mercado imobiliário português, sinceramente até considero que perante um cenário tão adverso, ainda há felizmente, assim como nós, muitos e bons promotores bravos e resilientes no nosso mercado…, mas atenção que isso “apenas” não chega!

João Sousa

CEO da JPS Group

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico