Aviso: a mediação imobiliária pode fazer mal à saúde
Tal como nos alertas que surgem nos maços de tabaco, deviam existir cartazes em letras garrafais nas agências imobiliárias a avisar que a atividade de consultadoria imobiliária pode fazer mal à saúde. E não, não estou a brincar com um tema que acho muito sério.
Quando entramos no mundo imobiliário, é-nos pintado um quadro idílico do que nos pretendem, supostamente, ensinar, do que iremos aprender e do potencial de ganhos financeiros e de liberdade de horários que a atividade de consultadoria imobiliária permite. Esse é o lado A do disco dos sucessos. Mas, como tão bem sabemos, na maioria dos casos, as pessoas esquecem-se a falar do lado B, nomeadamente, dos riscos que esta profissão acarreta. É o que tentarei fazer, ainda que de forma resumida, nas próximas linhas.
O primeiro dado a reter é o de a mediação imobiliária pode ter vários efeitos na saúde mental dos profissionais do sector, e esses efeitos podem, por sua vez, impactar a credibilidade do mercado imobiliário. Acham que estou a exagerar? Acompanhem-me aqui nestes exemplos.
A começar, pensemos nos altos níveis de pressão e de stress a que um consultor imobiliário está sujeito. Todos nós sabemos bem que, aqui chegados, temos rapidamente de aprender a lidar com a natureza competitiva e muitas vezes imprevisível do mercado imobiliário que nos coloca o stress e a adrenalina em níveis muito elevados. Junte-se a isso a pressão para fechar negócio (e a frustração de não o conseguir fazer), atingir metas (todos nós queremos anunciar que somos o melhor da nossa rua) e lidar com as flutuações do mercado para que a estabilidade emocional possa ser afetada. Claro está que, no reverso da medalha, se não estamos bem e não conseguimos lidar com o constante nível elevado de stress, isso pode afetar a nossa capacidade de desempenho, comunicação e tomada de decisões, potencialmente comprometendo a qualidade do serviço prestado e a confiança dos clientes.
Mas não só. Todos os que por aqui andam sabem bem o que é ter que lidar com o facto de não existir, por regra, um ordenado fixo que assegure o pagamento regular das despesas. Para quem vem de um emprego “normal”, a passagem para esta forma de vida, ou seja, ter que lidar de forma constante e regular com a incerteza financeira, comum no setor imobiliário, pode ser uma fonte significativa de stress. E a coisa terá tendência a agravar-se mesmo quando existem ciclos de negócios imobiliários regulares e comissões variáveis que garantem o necessário sustento. Como bem sabemos, é bastante rápido habituarmo-nos a viver com mais e tão mais difícil voltarmos a viver com menos. E, quando estamos em período de alguma instabilidade financeira, corre-se o risco de esta ser percebida pelos clientes como falta de confiabilidade, afetando a nossa credibilidade (e, às vezes, do próprio sector como um todo).
Este é também uma área de negócio onde a concorrência é feroz. Apesar das hossanas das partilhas e das confianças juradas a pés juntos, todos nós sabemos que os consultores são muito competitivos entre si, num registo que às vezes roça o hostil. E, como também sabemos, leva a que surjam inúmeras queixas de comportamentos éticos menos sérios e de índole duvidosa. E nem todos conseguimos lidar bem com essa pressão, levando a que muitos acabem por ter, adivinhem? Elevados níveis de stress e ansiedade que, uma vez mais, podem refletir-se na atuação do consultor perante o cliente.
Por outro lado, um dos atrativos que esta profissão tem é a capacidade de o consultor poder fazer a gestão do seu próprio horário. Se isso, em teoria, é excelente, na prática, como sabemos, transforma-se, muitas vezes, na incapacidade de sermos donos do nosso próprio tempo. Porque os nossos clientes só podem receber-nos e falar connosco ao final do dia, quando chegam a casa. Ou porque as visitas aos imóveis só podem ser realizadas aos fins-de-semana quando os clientes, compradores e vendedores, têm por norma, mais tempo e disponibilidade. Claro está que isso traduz-se num número adicional de horas que o consultor tem que adicionar ao seu dia e à sua semana, colocando em causa a gestão de equilíbrio entre o lado pessoal e a vida profissional.
Termino, com um repto e sugestão às marcas e agências do sector. Seria benéfico que as estas adotassem políticas de apoio à saúde mental, oferecessem formação contínua e promovessem uma cultura que valorizasse o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal dos seus colaboradores. Acredito que isso não só beneficiaria os consultores individualmente, como contribuiria também para um sector mais saudável e confiável. Mas estou a pedir muito, não estou?
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)