Como pode a Arquitetura ser um aliado na resposta à crise na Habitação?
De acordo com a dados do INE (Estatísticas da Construção e Habitação 2022, ISSN 0377-2225), no ano de 2022, 70,1% dos processos de licenciamento, em Portugal, destinavam-se a Edifícios principalmente habitacionais com um alojamento, contra 10% de Edifícios principalmente habitacionais com dois ou mais alojamentos. Se é verdade que desde 2017 a tendência foi para que se aumentasse o número de licenciamentos de habitações uni e multifamiliares, a verdade é que isto se deveu a um decréscimo em licenciamentos de edifícios não residenciais.
Isto leva-nos a crer que mais de 2/3 dos licenciamentos em Portugal, no ano de 2022, foram requeridos por famílias, ou por investidores cujo target seria um agregado familiar mais tradicional.
Desta leitura facilmente ficaremos com a ideia de que não estão a ser postos no mercado, em número suficiente, produtos capazes de dar resposta à pouca oferta que se verifica no setor.
A tendência é que se invista mais no mercado de arrendamento o que, atendendo ao reduzido limite geográfico das cidades portuguesas, poderá resultar em produtos residenciais em escala (multifamiliares), durante os próximos 5 anos (até 2027).
Caminhamos para uma certa industrialização da construção como resposta à crise de oferta. Se quisermos criar uma solução para a falta de habitação, teremos que mudar o paradigma da construção – pelo menos durante os próximos 5 a 10 anos.
Um aliado na Arquitetura
A Arquitetura é a especialidade que normalmente inicia o processo de análise e desenvolvimento de propostas para projetos de investimento imobiliário. É também normalmente a especialidade responsável pela coordenação dos projetos (de arquitetura e engenharia), e ainda faz o controlo de qualidade em obra. Sendo os arquitetos os autores dos projetos que vão ser postos à venda, responsáveis pelo desenvolvimento de layouts funcionais, otimizados para o público do investidor, e que resultam em produtos atrativos para o cliente final, são também responsáveis (e influenciadores) pelo desenvolvimento de soluções técnicas que permitam a sua execução em tempo (e budget) útil.
Desenvolver um projeto que tenha desde o início o foco na rentabilidade, usabilidade, sustentabilidade e integração na paisagem natural e urbana, com soluções integradas entre espaço e infraestruturas, gestão de risco, e uma boa execução em obra é, sem dúvida, uma tarefa hercúlea. Um bom arquiteto conhece o projeto como nenhum outro interveniente no processo, e é ele quem interliga todas as componentes de um edifício de forma eficiente e harmoniosa. Além disso, o fruto da sua conceção, do seu desenho e entendimento do espaço, tem um impacto direto na qualidade de vida das pessoas que, não só vão usar o edifício, como aquelas que por ele passarão diariamente durante décadas.
Abaixo apresentam-se alguns dos fundamentos que levam a Arquitetura a ser um forte aliado na aceleração à resposta à crise da habitação.
Design apelativo e eficiente
Através da conceção de layoutse conceitos de organização do espaço que permitam retirar a melhor rentabilidade da área disponível. Há uma forte componente estética na arquitetura, e esta é a disciplina que será responsável por tornar os espaços confortáveis, equilibrados, apelativos, bem integrados na envolvente. Um projeto com uma imagem marcante será um fator diferenciado no portefólio de qualquer investidor. Um edifício com relações de proporção bem estudadas, com designs originais, e que se adequam ao contexto em que se inserem, ficam na memória, e ajudam o público a sentir-se positivamente impactado por ele e, por último, a desenvolver uma relação de empatia com aquele espaço.
Atualização na Legislação vigenteA legislação vai permitir encurtar prazos de construção, e passar mais responsabilidade para os técnicos autores dos projetos (arquitetos e engenheiros). Esta inovação, aliada ao desenvolvimento de novas plataformas como o PEPU (Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos), suportada pela implementação BIM nos Departamentos de ^Urbanismo, tem o potencial de imprimir um processamento mais rigoroso e célere aos projetos, quer na fase de saneamento, quer na fase de análise. Esta é uma oportunidade para arquitetos e engenheiros se aliarem com vista ao desenvolvimento de propostas cada vez mais integradas e otimizadas, sem ter que aguardar indefinidamente pela validação das Câmaras. Perde-se menos tempo em análise e informação técnica, ganhando-se mais tempo no desenvolvimento e amadurecimento dos projetos.
No sector público, está aberta a porta para o desenvolvimento de tecnologia de verificação dos projetos, pelo que será uma questão de tempo até esta tecnologia se alargar à verificação prévia dos projetos por parte dos privados (gabinetes de estudos e projetos).
Integração de sistemas e infraestruturas desde a fase de Estudo Prévio
Até aqui os projetistas refugiavam-se nos longos tempos de análise e aprovação de projetos pelas câmaras como ressalva a não desenvolverem projetos cujas bases teriam uma grande hipótese de ser alteradas pelas análises das entidades públicas. O cenário que temos no presente consiste em desenvolver um projeto de arquitetura, aprová-lo numa câmara, realizar projetos de especialidades (que muitas vezes introduzem alterações à arquitetura) aprová-las na câmara, desenvolvimento dos projetos de execução, orçamentação, concurso de empreitada, pedido e levantamento de Licença de Construção, realização da obra, apresentação de aditamentos aos projetos resultantes de alterações em obra (ou apresentação de novas telas de arquitetura, e nova espera pela respetiva aprovação), término da empreitada, e obtenção de Licença de Utilização.
Abre-se agora porta ao desenvolvimento de workflows mais ágeis. Estamos em condições de entender os gabinetes de projetos como um todo, e não como a soma das partes. Isto é, olhar para os projetos de arquitetura e especialidades como atores que trabalham em paralelo, e não como entidades absolutamente independentes entre as quais o projeto vai andando “para trás e para a frente” e sofrendo consecutivas alterações, fruto das constantes alterações resultantes de coordenação de projeto muitas vezes tardia.
Parametrização suportada no BIM e IA
Esta metodologia pressupõe a modulação de um edifício, quantificação dos componentes, clash detection (deteção de conflitos), medições e estimativas de custos prévias aos concursos de empreitada, permitindo um controlo de budgets ajustado ao projeto. Esta preparação de documentação e componentes do projeto leva a uma execução mais ágil não só dos projetos, e da preparação de todos os elementos instrutórios para Licenciamento e Obra, como serve de base à equipa responsável pela empreitada para preparar a obra, proceder à pré-fabricação dos componentes que o permitam, gerir encomendas, stocks, prazos de entrega e execução.
Dar forma às cidades do futuro
Estamos no caminho para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis, promoção de acessibilidade e mobilidade, aposta na economia circular, planeamento estratégico, aposta na densidade, poli-centralidades e novas tipologias que se adaptem às novas formas de (co)habitar, conviver, trabalhar e novos núcleos familiares e sociais.
Sendo que é da visão dos arquitetos que se concebem e desenham estes espaços, é importante que estes sejam ouvidos e chamados à discussão pública das intervenções no espaço público.
Sustentabilidade na construção
Os arquitetos são responsáveis pela conceção e desenho de construções passivas, pela opção da modulação dos componentes, escolha de materiais sustentáveis, com baixa pegada carbónica e upcycling, de entre outros. É sua responsabilidade investir em estudo sobre esta matéria, para que possam melhor aconselhar os seus clientes e acompanha-los na tomada de decisão.
Conclusão
Estão criadas condições para a mudança nos modelos de investimento, e as oportunidades identificadas.
Defendo que estamos perante a mudança de mindset coletivo, não só nos modelos de negócio de investimentos, como também na tradição construtiva e empresarial dos profissionais do sector.
Não podemos correr o risco de não se dar resposta a tantas pessoas que estão fora do acesso ao financiamento, que perderam, ou estão em vias de perder, um local para habitar, que não conseguem suportar as despesas de investimentos recentes, ou que se mudaram para Portugal à procura de condições de vida e de trabalho mais favoráveis.
Como arquiteta, entendo que a classe está a ser chamada a pôr ao acesso do público o seu saber técnico e artístico, e a colaborar na solução do problema. Espera-se mais comunicação entre todos os atores do setor, com vista ao novo paradigma da construção.
Alda Vasconcelos
Arquiteta
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico