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Opinião

Francisco Mota Ferreira

A quem interessa a falta de regulação?

8 de janeiro de 2024

Recentemente, numa tertúlia com malta amiga do imobiliário, tentou-se perceber se há regras e regulações a mais ou a menos no sector. E, antecipando já conclusões, devo-vos dizer que não chegámos a nenhuma resposta final que fosse do agrado ou do acordo de todos os intervenientes na conversa.

Por um lado, porque há a noção que há inúmeras organizações que representam vários stakedolders do sector, embora, na maior parte dos casos, acabem por falar apenas por eles próprios e nem sempre em nome das entidades que dizem representar. Por outro, somam-se as críticas à entidade que podia (e devia) ser a primeira a pôr a mão na massa e que é a primeira a quem vários players acusam de inércia, tacitismo e um rol de críticas e impropérios que, por pudor, me escuso de reproduzir. Sim, estou a falar do IMPIC.

Acresce que, no meio de tudo isto, temos, naturalmente, o sector puro e duro – agências, marcas, brokers e consultores – e todos os satélites que dele vivem e beneficiam e que não estão diretamente relacionados – advogados, fundos, investidores... E, claro está, a cereja no topo do bolo das críticas são os sucessivos Governos que, à esquerda ou à direita, teimam em pouco fazer para deixar tudo praticamente na mesma. Ou, no limite, tentam fazer algo de diferente para se traduzir em diplomas polémicos, como foi o caso do recente Mais Habitação, que ficou muito aquém do que poderia ter sido.

E, feito que está o diagnóstico há muito (com críticas e reparos de todos sobre o que, de facto, deveria ser feito), estranha-se que seja erigido um muro de silêncio sobre as melhorias para o sector, nomeadamente com regulação clara sobre quem pode fazer o quê. Estranha-se? Eu diria que não. Deixo aqui algumas afirmações e perguntas provocatórias para vossa reflexão:

1. A ausência de regulamentação leva a uma falta de transparência no mercado imobiliário, dificultando a obtenção de informações claras para os stakeholders. Se isso acontece e todos sabemos que assim é, a quem interessa e beneficia este status quo?

2. A falta de regulação traduz-se na especulação imobiliária, levando a flutuações excessivas nos preços dos imóveis, prejudicando investidores, compradores e vendedores. Quem ganha com isto?

3. A escassez de regras claras pode afetar diretamente os clientes, tornando-os mais vulneráveis a práticas desonestas, falta de padrões de qualidade e contratos injustos. Porque é que não há penalizações severas para as marcas, nomeadamente a perda da licença AMI para as empresas ou os consultores que enganam os seus clientes?

4. Sem regulamentação, há um maior risco de uma bolha imobiliária, onde os preços inflacionados podem levar a uma crise financeira, afetando não apenas os participantes do mercado, mas também a economia em geral. E se isto se sabe (e se o imobiliário é feito de ciclos de contração e expansão), porque é que, ciclicamente, aceitamos caminhar para o precipício?

A minha convicção de que pouco ou nada muda deve-se porque se pensa apenas no curto prazo. Não tenho grandes dúvidas que alguns stakeholders podem querer resistir à regulação devido aos benefícios imediatos que a falta de regras proporciona. Uma tentação que pode inclusivamente também estender-se à classe política, a quem não interessa mexer em medidas que podem ter impactos, nomeadamente económicos, que não são facilmente mesuráveis e que podem traduzir-se em custos políticos e/ou eleitorais. Não quero acreditar, como dizia um amigo meu nesta tertúlia, que a maior parte dos stakeholders, que têm poder e capacidade de decidir, não o fazem por uma razão muito simples: porque, no limite, desconhecem do que se fala. E, em consequência, não têm a real noção das implicações que estas alterações podem ter, optando, por isso, em manter o status quo. Pergunto eu: será que é mesmo assim?

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)