As nossas casas
Ao longo da nossa vida vamos tendo várias casas a que chamamos nossas. E, talvez as mais importantes, sejam aquelas onde crescemos e igualmente por diferentes motivos, a primeira que habitamos depois de sairmos de casa dos nossos pais.
A primeira casa é, por natureza, marcante, e é a que regista durante muito tempo o depositário da maioria das nossas recordações e memórias. É natural (e faz sentido) que olhemos para a nossa primeira casa com um mistro de saudade, nostalgia e afeto. É a casa que nos viu a crescer e onde temos as nossas memórias mais vívidas dos momentos marcantes da nossa vida, tendencialmente, diria eu, até atingirmos a idade adulta.
Por vezes, coincide também que a nossa primeira casa seja o nosso ponto de equilíbrio e o nosso porto seguro. Ou não fosse, na maioria dos casos, ser esta onde estão os nossos pais e onde, no presente, os visitamos com saudade.
A nossa primeira casa deixa de o ser – ou deixamos de a considerar como tal – quando saímos desta e não regressamos, porque chegou a hora de ganharmos a nossa independência. Ou porque vamos estudar para fora, ou porque vamos viver sozinhos e/ou com amigos. Ou porque vamos, nós próprios constituir família e ganhamos novas memórias e diferentes recordações.
Claro está que a primeira casa será sempre a nossa primeira casa, mas quando lá voltamos, depois de termos saído, e de cada vez que o fazemos, esta deixou de ser nossa para passar a ser a casa dos nossos pais. E assumimos essa diferença, perante nós e perante terceiros.
Ao longo da nossa vida, teremos a tendência para conhecermos muitas casas, porque, cada vez mais, a realidade e os desafios que a vida nos impõe, faz com que mudemos de habitação, porque mudámos de emprego, de cidade ou até mesmo de país. Mas a primeira casa, aquela que chamámos, verdadeiramente, como nossa pela primeira vez, ocupará sempre um lugar especial no nosso coração, porque representou uma mudança radical na nossa vida ou, se quisermos, a passagem para a idade adulta (ou o fim do chapéu protetor dos nossos pais).
Nos dias que correm, e tendo em conta a realidade portuguesa e o drama da Habitação em que vivem milhares de famílias, a nostalgia das nossas primeiras casas terá, cada vez mais, tendência para perder o seu encanto. Infelizmente.
Porque, devido aos preços impossíveis que estão a ser praticados no imobiliário, são inúmeros os casos de pessoas que se veem forçadas a vender o imóvel onde vivem e regressar à casa dos seus pais, num retrocesso que, acredito, queima memórias, mata nostalgias e transforma um espaço, que outrora era visto como algo de bom, num símbolo de um período menos simpático das nossas vidas. Se, a este regresso, somarmos a circunstância de a casa de onde saímos ser a nossa primeira habitação da idade adulta, temos, diria eu, um duplo processo complicado. Razão pela qual também defendo que os profissionais imobiliários devem ser, cada vez mais, verdadeiramente dignos desse nome para igualmente ajudarem os seus clientes a superar, da melhor forma possível, este período de transição.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)