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Opinião

Francisco Mota Ferreira

A palavra dos leitores – parte II

22 de julho de 2024

Há duas semanas atrás dei-vos a palavra, nas vossas críticas e sugestões. Nas próximas linhas continuarei a fazê-lo, sempre respeitando a confidencialidade do que me é transmitido.

Uma das coisas que muitos mediadores falam é do tempo. Do luxo que é de tê-lo e da chatice que é ter de partilhá-lo, porque esta não deixa de se uma profissão onde não há horários. Para o bem ou para o mal.

E, se é um luxo sermos gestores do nosso tempo, decidindo em cada momento se vamos fazer visitas, angariar imóveis, fazer formação ou o que seja, também não deixa de ser uma espécie de prisão estar dependente de terceiros. E o consultor imobiliário está sujeito dos horários das outras pessoas e tem que se sujeitar ao mesmo: subordinado ao horário do cliente comprador, que só pode fazer visitas aos fins-de-semana, por exemplo, ou dependente do cliente vendedor, que só o pode receber ao final do dia, depois do seu dia de trabalho.

O sentimento global é o de que, apesar de uma suposta liberdade, o tempo parece que nunca chega, com os dias a tornarem-se semanas, as semanas em meses e os meses em anos. E, às vezes, sem os resultados aparecerem.

É também por isso que é muito difícil, dentro do sector, compreender quem aposta em fazer imobiliário e m part-time (um tema que vos falei aqui há umas semanas atrás). Aliás, ainda neste ponto, seria interessante ter acesso a alguns números para perceber, de forma global, quanto são os profissionais do sector que se dedicam em part-time e quantos é que têm nesta profissão a sua atividade profissional. Um trabalho que as inúmeras associações que dizem representar o sector podiam dedicar-se a fazer, mas que, confesso, tenho dúvidas que percam muito tempo a fazê-lo.

Já para não falar dos inúmeros paraquedistas que por aqui andam: os visitadores de casas, os que acham que podem pedir comissões de negócios a realizar sem que tenham licença AMI ou os promotores que vendem em planta projetos que não passam disso mesmo e que angariam consultores para venderem uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. E, depois, dentro deste leque, avolumam-se as queixas contra os advogados que roubam negócio ao sector. As sociedades de advogados, onde existe uma licença AMI para o que der e vier e onde funciona uma lógica do part-time: se se vender um ou dois imóveis por ano é bestial, se não acontecer nada, também não há qualquer problema. E, hoje em dia, com os divórcios, insolvências e todos os negócios que passam por um escritório de advogados é relativamente fácil tomar este tema em mãos, mesmo se se considerar que, no limite estas são atividades consideradas incompatíveis com a advocacia.

Com tudo isto, quem porventura me ler e não estiver ligado ao sector, achará que estou a diabolizar a atividade imobiliária. Nada mais errado. Apenas acabo por colocar por escrito as inúmeras críticas, sugestões e apelos que me vão chegando de quem lida com as suas vicissitudes e particularidades diariamente.

O que se passa no imobiliário ocorre, certamente, em maior ou menor medida em muitos sectores de atividade do nosso País. E o que sucede aqui acaba por ser o reflexo da nossa sociedade em geral, onde os valores e os princípios são usados como moeda de troca. Mas era tão bom que pudesse ser diferente, não era?

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico