Vender em vida o imóvel com direito de usufruto
O tema não é propriamente novo, mas, nos últimos tempos, têm sido várias as pessoas e publicações que têm falado sobre isto. Refiro-me à possibilidade de os investidores poderem comprar imóveis que já estão habitados, normalmente por pessoas idosas, deixando-as viver numa casa que foi já vendida até à sua morte.
A título pessoal, partilho convosco o que se passou na minha infância: os meus pais tiveram a possibilidade de adquirir um fantástico apartamento na baixa de lisboa a uma pessoa amiga que já tinha alguma idade. A senhora tinha ficado viúva e lembrou-se de perguntar se os meus pais queriam comprar a casa onde vivia, a um preço muito mais baixo, permitindo os meus pais que ela lá vivesse até à sua morte.
Lembro-me que, na altura, foram pesados os pós e os contras e optou-se por não adquirir o imóvel. Há 40 anos atrás, aquela zona da baixa não era muito recomendável e este imóvel funcionava num prédio onde existia uma pensão frequentada por gente de profissão duvidosa. Acredito, também, que uma das coisas que, na altura, acho que pesou, foi o facto de se contar uma história que, mito urbano ou não, dizia que, num caso em tudo semelhante, o investidor tinha falecido, entretanto, e o inquilino estava já há incontáveis anos a viver num imóvel que já não era seu porque, afinal, tinha o direito de usufruto. No caso, e na experiência de família, os meus pais não compraram este imóvel invejável na baixa de Lisboa por um preço bastante competitivo. E, poucos anos mais tarde, a senhora acabaria por falecer, sem herdeiros.
Como em qualquer operação de investimento, existem riscos associados que podem ser mais ou menos minorados. Nestes casos em concreto, a aquisição de imóveis pertencentes a idosos, concedendo-lhes o direito ao usufruto vitalício é um regime jurídico que permite ao usufrutuário (neste caso, o idoso) continuar a usar e habitar o imóvel até ao fim da sua vida, mesmo após a venda da propriedade. Em contrapartida, o proprietário/investidor adquire a propriedade do imóvel, mas só poderá usufruir plenamente dela após o falecimento do usufrutuário ou a renúncia deste ao usufruto. Esta modalidade oferece uma solução flexível para idosos que precisam de liquidez imediata sem abdicar da sua casa, ao mesmo tempo que proporciona uma oportunidade de investimento a longo prazo para os compradores.
Para os investidores, a principal vantagem é a possibilidade de adquirir imóveis a um preço significativamente reduzido em comparação com o valor de mercado. Este preço pode variar dependendo da idade do usufrutuário e da expectativa de vida, o que reduz o custo inicial do investimento. Além disso, investir em imóveis com usufruto pode ser uma aposta estratégica para o futuro, especialmente em zonas urbanas onde os imóveis tendem a valorizar-se ao longo dos anos. Ao comprar a um preço mais baixo, o investidor pode beneficiar da valorização natural do mercado imobiliário, tornando-se uma opção de diversificação da carteira de investimentos sem a necessidade de gerar rendimentos imediatos. Outra vantagem é a redução de custos de manutenção, uma vez que o usufrutuário é geralmente responsável pela conservação da propriedade, isentando o investidor de despesas durante o período de usufruto.
No entanto, esta modalidade de investimento apresenta também desvantagens. A primeira é a imobilização de capital por um período incerto, já que o usufruto é vitalício e o investidor não tem controlo sobre quando poderá começar a rentabilizar o imóvel (dito de forma mais crua, não sabemos quando o usufrutuário pode falecer, abrindo caminho a que o imóvel possa ser rentabilizado).
Esta incerteza pode ser um fator limitador para quem procura retornos rápidos. Se o idoso viver mais tempo do que o previsto, o retorno do investimento pode ser consideravelmente adiado, afetando a rentabilidade do negócio.
Para o usufrutuário, vender a casa nestas condições oferece a vantagem de liquidez financeira imediata, permitindo-lhes obter capital sem abdicar do seu lar. Ao mesmo tempo, mantém a segurança e estabilidade habitacional, uma vez que pode continuar a viver na sua casa até ao fim da sua vida. Esta solução é particularmente atrativa para aqueles que não têm herdeiros diretos ou que desejam evitar o peso da gestão de uma propriedade.
Terminaria, dizendo que qualquer que sejam as opções em cima da mesa, esta é, acima de tudo, uma questão de tempo e de sorte. Como, aliás, são muitas das apostas de investimento onde se lida com variáveis que não se consegue controlar.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico